Perseguição Virtual

Ser chamada de “coitada”, “otária”, “burrinha”, “chifruda” e “velhinha” em mensagens enviadas pelo aplicativo WhatsApp causa abalo emocional suficiente para provocar o dever de indenizar. Assim entendeu a 2ª Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis (JECs) do Rio Grande do Sul ao fixar indenização de R$ 2 mil a uma mulher que foi ofendida várias vezes pela amante do marido.

Ela relatou à Justiça que vem sofrendo constrangimento e que até sua filha de nove anos também recebeu ‘‘mensagens impróprias’’. Em  função da perseguição da rival, disse que teve a sua vida exposta nas redes sociais, sofreu depressão e teve de abandonar o emprego.

O juízo de primeiro grau proibiu a ré de enviar novas mensagens e citar o nome da autora em redes sociais ou diante de amigos comuns, sob pena de multa de R$ 200 para cada episódio comprovado de descumprimento da obrigação. A autora recorreu, buscando a reparação por dano moral.

O juiz-relator da matéria na segunda instância, Roberto Behrensdorf Gomes da Silva, destacou que as ofensas promovidas pela ré ultrapassam a esfera do mero dissabor. ‘‘Vê-se, claramente, a intenção de ofender e humilhar, o que, mesma nas circunstâncias, não pode ser tolerado, ainda que a autora tenha optado, por razões suas, em manter o casamento’’, afirmou. O voto foi seguido por unanimidade.

Leia abaixo o acórdão.

RECURSO INOMINADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. MENSAGENS ENVIADAS À AUTORA PELO APLICATIVO “WHATSAPP” QUE POSSUEM TEOR OFENSIVO. EXPRESSÕES OFENSIVAS QUE ULTRAPASSAM O MERO DISSABOR. INFIDELIDADE CONJUGAL QUE, MESMO ACEITA PELA AUTORA, NÃO JUSTIFICA O AGIR ILÍCITO E O CARÁTER OFENSIVO E HUMILHANTE DO PROCEDER DA RÉ. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM COMPENSATÓRIO DE R$ 2.000,00 QUE SE MOSTRA SUFICIENTE PARA A REPARAÇÃO DO DANO. RECURSO PROVIDO. RECURSO INOMINADO SEGUNDA TURMA RECURSAL CÍVEL Nº XXXXXXXXXXXXXXX (Nº CNJ: XXXXXXXXXXXXXXXX) COMARCA DE PORTO ALEGRE C. K. S. RECORRENTE A. P.C. RECORRIDO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Juízes de Direito integrantes da Segunda Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, EM DAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DR.ª ANA CLAUDIA CACHAPUZ SILVA RAABE (PRESIDENTE) E DR. RÉGIS DE O. MONTENEGRO BARBOSA.

Porto Alegre, 25 de maio de 2016.

ROBERTO BEHRENSDORF GOMES DA SILVA,

Relator.

RELATÓRIO

(Oral em Sessão.)

V O TO S DR. ROBERTO BEHRENSDORF GOMES DA SILVA (RELATOR)

A autora sustentou que vem sofrendo constrangimento em razão da atitude da ré que lhe manda mensagens e realiza ligações, afirmando manter um relacionamento extraconjugal com o marido da demandante.

Disse que possui dois filhos e que a ré passou a enviar mensagens impróprias, também, para a sua filha, que contava com 09 anos na época dos fatos. Alegou a autora que vem sendo perseguida e exposta perante os amigos nas redes sociais, tendo, inclusive, de abandonar o emprego em razão de depressão.

Noticiou, ainda, que teve gestação de alto risco porquanto estava grávida à época do evento, tendo representado criminalmente contra a requerida. Postulou a indenização por danos morais.

Compulsando detidamente o caderno processual, resulta incontroversa a relação extraconjugal mantida pelo Sr. A. com a ré, fato que acabou por situação de inegável constrangimento, por parte da autora, em razão do proceder da demandada.

É verdade que não se pode atribuir à ré a integral responsabilidade pelos transtornos vivenciados pela autora, considerando-se, sobretudo, que a própria demandante aceitou, de alguma forma, a situação de infidelidade por ela vivenciada, tanto que soube que o seu esposo é pai de outro filho, fruto do relacionamento extraconjugal com a ré. De qualquer forma, o agir ilícito demandada não reside propriamente no relacionamento que teve com o marido da autora. Em verdade, o que se mostra contrário ao direito – muito mais do que a infidelidade do marido – são as diversas ofensas promovidas pela ré em desfavor da autora, ofensas essas que ultrapassam a esfera do mero dissabor.

 As mensagens de texto enviadas pela demandada à autora contém inegavelmente caráter ofensivo ao empregar expressões, como: “coitada”, “otária”, “burrinha”, “chifruda”, “burra”, “velhinha” (fls. 47/53). Vê-se, claramente, a intenção de ofender e humilhar, o que, mesma nas circunstâncias, não pode ser tolerado, ainda que a autora tenha optado, por razões suas, em manter o casamento.

 Ainda, as telas de fls. 44/45 demonstram as ligações efetuadas pela ré, em diferentes dias e horários, fato que corrobora as informações apontadas pela autora nesse sentido. Em que pese inexistente indubitável comprovação de que a ré tenha entrado em contato com a filha da autora, resta demonstrado, até mesmo pela situação fática, que a autora sofreu ofensas, ela própria, que justificam o reconhecimento dos danos morais, perturbando psicologicamente a demandante.

Nesse sentido, a jurisprudência:

RECURSO INOMINADO. INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS. OFENSAS VERBAIS. MENSAGENS TELEFÔNICAS OFENSIVAS. PROVA ORAL QUE CONFORTA A TESE DA AUTORA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO REDUZIDO PARA R$ 2.000,00. O depoimento da testemunha trazida pela autora corrobora a alegação da inicial de que teria sofrido ofensas verbais por parte da ré. Além disso, a própria ré afirma em seu depoimento pessoal que ligou para a autora para cobrar a situação de que a teria visto com seu esposo, bem como teria enviado mensagens. Por outro lado, o depoimento da testemunha trazida pela ré em nada conforta as alegações que embasam o pedido contraposto, no sentido de que também teria sido ofendida pela autora, pois não presenciou a situação, mas tão somente ficou sabendo dos fatos por meio da própria ré. Comprovadas, portanto, as ofensas verbais à autora, quer por telefone, quer pessoalmente, é de se reconhecer a existência de dano ao direito de personalidade da autora e o dever de indenizar da recorrente. Todavia, observados os princípios de razoabilidade e da proporcionalidade, bem como de acordo com os parâmetros adotados pelas Turmas Recursais Cíveis em casos análogos, impõe-se a redução do quantum indenizatório fixado em R$ 4.000,00 para R$ 2.000,00, mantidos os critérios de correção e juros da sentença. RECURSO PROVIDO EM PARTE. UNÂNIME. (Recurso Cível Nº 71004576039, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Pedro Luiz Pozza, Julgado em 10/06/2014)

Assim, merece provimento o recurso manejado pela autora para reformar a sentença e julgar procedente o pedido de indenização pelos danos morais.

O quantum deve ser suficiente para amenizar o sofrimento da vítima, estando em observância, também, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade da medida. Assim, tem-se que o valor de R$ 2.000,00 mostra-se adequado para atendimento das finalidades compensatória, punitivopedagógica, devendo a quantia ser atualizada pela correção monetária IGP-M a partir da presente decisão, com juros de 1% a contar do evento danoso, qual seja, 27/07/2015 (data da ligação efetuada pela ré, fl. 44).

Em razão do exposto, voto por DAR PROVIMENTO AO RECURSO para reformar a sentença e julgar procedente a ação, condenando a ré ao pagamento de R$ 2.000,00 a título de danos morais, com correção pelo IGP-M desde o arbitramento, e juros de 1% a contar de 27/07/2015.

Sem condenação nos ônus da sucumbência, considerado o resultado do presente julgamento. DR. RÉGIS DE O. MONTENEGRO BARBOSA – De acordo com o(a) Relator(a).

DR.ª ANA CLAUDIA CACHAPUZ SILVA RAABE (PRESIDENTE) – De acordo com o(a) Relator(a). DR.ª ANA CLAUDIA CACHAPUZ SILVA RAABE – Presidente – Recurso Inominado nº XXXXXXXXXXXX, Comarca de Porto Alegre: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME.” (…)