Presume-se discriminatória a rescisão de empregado portador do vírus HIV ou outra doença grave que suscite estigma ou preconceito.

Esse é o teor da Súmula 443 do TST, invocada pela juíza Anielly Varnieríndice Comerio Menezes Silva, em sua atuação no Posto Avançado de Aimorés, ao julgar favoravelmente o pedido de um empregado portador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida que buscou na Justiça do Trabalho o pagamento em dobro da remuneração relativa ao período de seu afastamento, prevista no inciso II do art.4o da Lei 9029/95.

No caso, a julgadora constatou que a empresa, diante da grave doença do trabalhador e dos reflexos negativos no curso da relação contratual, optou por dispensá-lo sem justa causa. Diante disso, reconheceu a nulidade da dispensa realizada. Como ressaltou, em face da presunção favorável ao empregado, cabia à empregadora o ônus de demonstrar motivação de ordem disciplinar, econômica ou financeira para a consumação do ato rescisório ou capaz de fazer prova contrária à alegada discriminação. Como não houve qualquer prova de outra motivação para a ruptura do contrato de trabalho, ela presumiu verdadeira a dispensa arbitrária alegada.

Conforme a magistrada:

“Nesse contexto, por não comprovado motivo distinto para a ruptura contratual, não sendo suficiente as alegadas “adequações em seu quadro de funções”, prevalece a tese de abuso do direito potestativo de resilir o contrato de trabalho, em flagrante violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Desse modo, a discriminação configura-se na atitude patronal que produziu uma distinção injustificada, consistente no descarte do empregado doente, ignorado em sua condição de pessoa dotada de dignidade, à medida que privado de sua fonte de sustento, sendo excluído do único instrumento de acesso à cidadania que lhe é possível na sociedade: o trabalho”.

Segundo a julgadora, nos termos do 1º da Lei 8029/95, perfeitamente aplicável analogicamente à hipótese do trabalhador portador de HIV, fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego ou sua manutenção.

Conforme registrou a magistrada, esse entendimento se harmoniza com as normas internacionais, sobretudo a Convenção 111 de 1958, sobre Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação (ratificada pelo Brasil) e a Recomendação n.º 200, de 2010, sobre HIV e AIDS e o Mundo do Trabalho. Ela ainda acrescentou que, embora nosso ordenamento jurídico admita a rescisão do contrato de trabalho sem justa causa, esse direito do empregador não é absoluto, devendo ser analisado em consonância com os pilares da dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho, da não discriminação e da função social da empresa, (artigos 1º, III, 3º, IV, 5º, I e XLI, 6º, 7º, I, XXX e XXXI, 170, III, VIII e 193, da CF).

Nesse contexto, a magistrada entendeu aplicável, por analogia, o artigo 4º da Lei 9.029/95, esclarecendo que o rol do artigo 1º dessa norma é meramente exemplificativo, sem prejuízo de outras formas de configuração. Esse dispositivo faculta ao trabalhador discriminado optar por ser reintegrado com ressarcimento integral de todo o período de afastamento ou receber o pagamento em dobro da remuneração desse mesmo período.

Levando em conta que o trabalhador fez opção, primeiramente, pela indenização de forma dobrada, em razão das condições psicológicas desfavoráveis ao retorno ao emprego, bem como diante do fato noticiado em audiência de que a empresa “está ativa, por enquanto”, mediante o qual o juízo percebeu a iminência do fechamento da empresa e a premente inviabilidade de reintegração, a julgadora acolheu, em parte, o pedido de indenização dobrada da remuneração do período de afastamento. Como explicou, essa indenização consiste em reparação por dano material decorrente da dispensa inválida, equivalente à remuneração que receberia caso estivesse trabalhando. Assim, deferiu ao trabalhador, em dobro, os salários estritos, 13ºs salários, férias com 1/3, FGTS e tíquete alimentação, desde a data da dispensa nula até a data da sentença.

Por fim, a magistrada também entendeu ser devida ao empregado uma indenização por danos morais, danos esses que considerou incontestáveis, por presumíveis o sentimento de tristeza e humilhação em razão da dispensa em um grande momento de abalo emocional, decorrente da própria doença. Assim, com base nos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, e levando em conta a condição socioeconômica da vítima (que recebia média de R$2.400,00 por mês); a do réu (consórcio de grande porte, formado por empresas de grande relevância do cenário empresarial mineiro); a grave natureza da doença incurável, agravada pela conduta discriminatória; o período de contrato (um ano e três meses), a julgadora fixou a indenização em R$ 50.000,00.

A sentença foi mantida integralmente no TRT mineiro. Houve interposição de Recurso de Revista, ainda pendente de julgamento.

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Acesse ao processo:  0000037-58.2015.5.03.0045 AIRR