Certo dia, uma menina quis muito ter o mesmo sobrenome do pai de criação. Quis tanto, que ganhou de presente de aniversário. Hoje pela manhã, 29/4, a Justiça de Santa Maria autorizou que o registro de nascimento da criança – que fará oito anos amanhã, 30 – seja modificado para receber o nome da tia e do tio.

 Como o documento deve manter o status da mãe biológica, a menina passará a ter três nomes em sua filiação. A decisão, além de autorizar a inclusão do sobrenome do tio no nome da criança, também permite o reconhecimento dos pais do homem como avós.

 A história por trás da decisão do Juiz Afif Jorge Simões Neto, da 2ª Vara de Família e Sucessões, contém os azares e sortes da vida. Primeiro, uma mulher, já mãe, que dá à luz um novo filho sem condições de sustentá-lo. Depois, uma irmã, casada, disposta a aceitar a guarda do bebê recém-nascido.

 “Assim que ela nasceu, a Maria me deu ela, então, tanto para mim como pro meu marido, ela é nossa filha”, disse Ana em depoimento durante avaliação psicológica. A menina confirmava: “Então minha mãe Ana e meu pai me cuidaram e me cuidam até hoje. E eu sou muito feliz com a minha família”, que inclui uma irmã de 21 anos.

 A série de avaliações e depoimentos dos envolvidos teve peso decisivo para o magistrado. “Fica evidente, portanto, que o postulado nesta ação é apenas a regularização de uma situação que existe, faticamente, já há muito tempo”, disse no despacho assinado hoje. Afirmou que a mudança no registro de nascimento “teria o condão de dignificar, em sua plenitude, a existência” da menina.

 Afif Simões Neto comentou que o tema da multiparentalidade só recentemente vem sendo apreciado pela Justiça, com bom acolhimento em recentes decisões no Tribunal de Justiça gaúcho. Aproveitou para definir papel do Poder Judiciário: encorajar o afeto e o amor, não obstaculizá-lo.

 “Muito embora se pudesse argumentar que não há dispositivo legal que autorize a inclusão de dois pais – um pai e uma mãe – no registro de nascimento, há, aqui, verdadeira hipótese na qual a lei deve se adequar à realidade posta e não o contrário. A multiparentalidade é concreta e não uma simples teoria”, definiu.

 Os nomes citados texto são fictícios. O processo tramita em segredo de Justiça.

Fonte: TJRS