Texto Revisado em 17 de setembro.

Apresentação

No presente artigo é realizada uma apreciação inicial do Projeto de Lei n.4438/23 sendo destacados os temas a nosso critério mais relevantes e, ao final apresentada uma avaliação do conjunto da obra. Dada a vastidão das alterações legislativas propostas pela Câmara Federal, inexistente nestes comentários a pretensão de analisar todas as matérias tratadas pelo projeto de lei antes referido. Ficam agradecimentos as críticas e sugestões enviadas.

Boa leitura.

Déficit Democrático

Na Câmara Federal, a discussão sobre alterações na legislação eleitoral e partidária, iniciada em fins de agosto, correu célere. Constituído o Grupo de Trabalho para tratar do assunto, apresentou o relator o documento “Propostas de Aperfeiçoamento da Legislação Eleitoral” e a toque de caixa foram realizadas parcas 04 audiências públicas para discussão da matéria – todas realizadas em Brasília. Na mesma toada, a Câmara dos Deputados sob a batuta do Deputado Arthur Lira (PP) aprovou requerimento de urgência para a proposta da minirreforma eleitoral (Projeto de Lei 4438/23) que, foi apreciada nas em plenário nas sessões de 13 e 14 de setembro.

Assim, evidente o déficit democrático eis que, pouco ouvidas as agremiações para lá das lideranças partidárias na Câmara Federal, a Justiça Eleitoral e a sociedade civil.

As novas regras precisam virar lei até o dia 6 de outubro para valer nas eleições municipais do ano que vem.

Projeto de Lei 4438/23: a Pauta da “Minirreforma”

A Minirreforma realizou alterações no Código Eleitoral, Lei dos Partidos e, Lei das Eleições. Os temas do projeto de lei podem ser agrupados nos seguintes temas: Regras do Sistema Eleitoral; Violência Política Contra a Mulher; Federações Partidárias; Propaganda Eleitoral; Registro de Candidatura e, Financiamento de Campanhas e Prestação de Contas Eleitorais. Desta maneira, ainda que alcunhada de pequena vastas são a amplitude das questões tratadas e a pretensão que a impulsiona.

A Reforma Eleitoral de 2021

Apreciar as propostas de alteração normativa do Projeto de Lei 4438/23 exige, ainda que brevemente, recuperar as modificações legislativas anteriores realizadas.

Em 2021, Congresso aprovou  PEC 28/2021 que, entre outros temas, manteve o sistema de voto proporcional, estabeleceu a  contagem em dobro dos votos dados a candidaturas de mulheres e pessoas negras, para efeito da distribuição dos recursos dos fundos partidário e eleitoral nas eleições de 2022 a 2030; pôs fim às coligações proporcionais e, criou as federações partidárias.

Como facilmente se percebe as mudanças patrocinadas naquela ocasião, ainda que intocados problemas históricos do sistema político-eleitoral brasileiro, como por exemplo, a distorção da composição proporcional da Câmara Federal, trilhou uma senda de fortalecimento dos partidos políticos e da inclusão de mulheres e pessoas negras na representação política.

Assim, considerados “tempo e pressão” – recordemos que os debates no parlamento se deram num cenário em que existia forte pressão para pôr fim ao sistema de composição do parlamento – no geral de sentido democrático as mudanças então realizadas.  Infelizmente, como ver-se-á, diversa a vereda trilhada pelo Projeto de Lei 4438/23.

A análise adiante realizada, contrariando o dito popular de “que mingau quente se come pelas beiradas”, principia por apreciar de alguns dos temas, a nosso juízo, que vão na contramão de um sistema político-eleitoral democrático e inclusivo presentes no projeto de lei aprovado pela Câmara e, feito isso trata-se de propostas tidas como oportunas. Veja-se:

Regra Para Preenchimento das Vagas no Parlamento: Sobras

O projeto de lei altera o cálculo para vagas que não são preenchidas a partir da relação entre os votos dos partidos e o número de cadeiras (quociente eleitoral e quociente partidário).

Conforme a proposta aprovada inicialmente, única e exclusivamente os partidos que atingiram o quociente eleitoral poderão participar das sobras, regra que privilegia os mais votados e que já elegeram parlamentares na primeira rodada. Atualmente, quem tem 80% do quociente pode participar da disputa das sobras. Desta forma, a fórmula de aferir a distribuição de cadeiras para os parlamentos favorece as maiores agremiações e, dentro destas as candidaturas daqueles que detêm mandato.

Se registra que, a possibilidade de ampliação do registro de candidaturas para 100% + 06, presente na minuta do texto do projeto de lei que circulava na Câmara, foi retirado do texto final. Assim, mantida a regra que fixa poderem partidos e federações podem registrar no total de até 100% do número de lugares a preencher mais 01.

Propaganda Eleitoral Conjunta

Ao tratar da propaganda eleitoral o PL 4438/23 traz redação que dispõe ser “permitida a propaganda conjunta de candidatos de partidos diferentes, independentemente de estarem coligados ou integrarem a mesma federação, assim considerada a confecção de materiais de propaganda eleitoral, impressos ou não, e o uso conjunto de sedes, sendo vedado entre eles o repasse de recursos financeiros”.

Assim, nos termos do texto será possível que, por exemplo, candidato a prefeito possa mandar fazer propaganda eleitoral e alugar sedes para candidaturas proporcionais de qualquer agremiação e, destaque-se, mesmo daquelas de partidos que tenham candidato à prefeitura distinto.

Ora, tal proposição contraria a necessidade de desenvolvimento e estabilização de partidos e federações a partir de compromissos programáticos e, consagrará, se aprovada, a força dos caciques partidários e, em especial, dos chefes (as) dos executivos com maior capacidade de acesso a recursos que bastem a financiar a dita “a propaganda conjunta”.

Financiamento de Campanha

Conforme PL 4438/23 será facultado que, o candidato (a) e nas eleições majoritárias o vice ou suplente, possam usar recursos próprios em suas campanhas, até 10% do limite previsto para o respectivo cargo, a ser observado individualmente. Tais valores deverão ser declarados na prestação de contas.

Obviamente a alteração obviamente beneficiará candidatos e candidatas com maiores recursos e, desta maneira consagrará a ampliação da desigualdade entre aqueles que disputam as eleições.

Participação Feminina na Política

O PL 4438/23 fixa que “Quando se tratar de federação, o percentual mínimo de candidaturas por sexo … deverá ser aferido globalmente na lista da federação, e não em cada partido integrante”.

Nestes termos, a promoção da participação feminina na política através da apresentação de um número mínimo de candidatas deixa de ser obrigação de todas as agremiações federadas o que fará por reduzir os esforços de incorporação de mulheres a vida partidária.

O projeto de lei aprovado pela Câmara Federal fixa que será considerada fraude cota de candidaturas femininas a “não realização de atos de campanha e a “obtenção de votação que revele não ter havido esforço de campanha, com resultado insignificante”.

Como, nos termos da norma, tais critérios serão cumulativos haverá maiores dificuldades para configurar a fraude. Assim, maiores as exigências para aplicação de sanção.

Estranhamente, o PL 4438/23 logo após tratar da fraude contra a cota de gênero propõe redação que dispõe ser facultada “a renúncia de candidata após o pedido de registro de candidatura, mediante apresentação de declaração de desistência justificada”.

Assim, nos termos postos a redação que disciplina a renúncia de candidata ficou aquém do que dispõe a Resolução TSE n. 23.609/2917, art. 69, que exige seja “o ato de renúncia da candidata ou do candidato expresso em documento datado, com firma reconhecida em cartório ou assinado na presença de servidora ou servidor da Justiça Eleitoral, que certificará o fato”.

Propaganda Eleitoral Na Internet

O PL 4438/23 estabelece ser desnecessária a indicação do nome do vice, do nome da coligação e dos partidos que a integram a cada conteúdo veiculado na internet.

Ora considerado o papel cada vez maior da propaganda realizada através de rede mundial de computadores e seus variados aplicativos a desobrigação referida fará que em parte significativa da campanha, por assim dizer, desapareçam vices, partidos e coligações, medida a princípio prejudicial a um sistema político-eleitoral que haveria de ter fundamento nos partidos.

Candidaturas Coletivas

Prevista no texto original do PL, ainda que de forma limitada, a possibilidade de candidaturas coletivas foi como noticiado no site da Câmara Federal, objeto de emenda de plenário que acabou por proibir as candidaturas coletivas.

As Bordas do Mingau

Analisados os itens da minirreforma marcadamente contrários a senda que vinha trilhando o direito eleitoral e partidário brasileiro adiante são apreciadas as propostas de alteração legislativa presentes no projeto de lei aprovado pela Câmara Federal em sintonia com um espírito democrático e pluralista que marcou a reforma eleitoral realizada em 2021 e que vem sendo consolidado pela jurisprudência.

Em relação ao sistema e processo eleitoral, pertinentes as proposições de alteração legislativa que, por exemplo, instituem a fase administrativa da campanha e, a contagem de prazos em dias úteis, fora do período eleitoral.

No que diz respeito ao registro de candidaturas, convenientes as alterações que antecipam em 15 dias o período de convenções (10 a 25 de julho), que consagram a vedação do prefeito (a) itinerante; unificam os prazos de desincompatibilização em 06 meses, salvo para o caso do servidor (a) público que, nos termos do projeto de lei há de receber tratamento específico e, fixam que a Justiça Eleitoral deverá divulgar os percentuais que os partidos deverão observar para distribuição de recursos às candidaturas. Se anota que, a redução de 10 para 6 dias no prazo para que os partidos registrem suas candidaturas – os registros deverão ser solicitados até às 19h de 31 de julho – dada a criação da fase administrativa da campanha não é, em tese, prejudicial a agremiações e candidaturas.

No referente as federações partidárias a possibilidade de constituição de federações até 06 meses antes das eleições bem como, a limitação das sanções judiciais a agremiação que deu ensejo a punição é medida de bom tamanho.

Em relação ao financiamento de campanhas eleitorais, apropriadas a extensão, já consagrada pela jurisprudência, da impenhorabilidade do FEFC; a vedação de suspensão de repasses de cotas deste fundo no segundo semestre de anos eleitorais; a fixação de que o montante do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e da parcela do Fundo Partidário destinada a campanhas eleitorais deverá ser de no mínimo 30% ao número de candidatas, observada a proporção de candidaturas de pessoas negras e, a possibilidades de doações de qualquer valor através de PIX.

Ao tratar da prestação de contas eleitorais são oportunas as proposições de simplificação do procedimento de prestar contas aos partidos que não tiveram movimentação financeira, nem tenham arrecadado bens estimáveis em dinheiro, a fixação do alcance do exame técnico da prestação de contas pela Justiça Eleitoral, a limitação dos efeitos da não prestação de contas a suspensão de cotas do Fundo Partidário enquanto persistir a omissão e a consagração legal de que o repasse aos candidatos por parte de empresas habilitadas pelo TSE para implementação de financiamento coletivo não configura doação de pessoa jurídica.

No tocante a propaganda eleitoral apropriadas as proposições que fixam que a distribuição do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão para as candidaturas em eleições proporcionais deverá observar o percentual de candidaturas de mulheres na circunscrição, respeitado o mínimo de 30% e, prevista obrigação no caso de descumprimento; facultam a possibilidade – já consagrada em resolução do TSE e pela jurisprudência – de que candidaturas femininas possam dispor dos dinheiros do FEFC  para realização de propaganda conjunta com candidaturas masculinas ou, a transferência ao órgão partidário de verbas destinadas ao custeio da sua cota-parte em despesas coletivas, desde que existente benefício para as candidatas bem como, a supressão da fixação das dimensões na propaganda eleitoral em veículos.

No que diz respeito as pesquisas de opinião o projeto de lei oportunamente fixa a obrigatoriedade de que o estatístico responsável pela pesquisa encomendada a assine com certificação digital e o número do seu registro no Conselho Profissional o que é medida de bom alvitre eis que, aumenta a transparência e controle.  Oportuna também a ampliação do prazo de vedação da realização de enquetes para o início do período de convenções partidárias.

No tocante a violência política contra a mulher necessárias e adequadas a ampliação para pré-candidatas e mulheres que realizam atividade política das proteções previstas na legislação sobre violência de gênero.

Por fim, pertinente a previsão que fixa que a gratuidade do transporte público de transporte coletivo de passageiros no dia das eleições e a vedação da redução do serviço habitualmente disponibilizados, sob pena de configuração de ilícitos cíveis-eleitorais, abuso de poder econômico, político e de autoridade.

Conclusão

O PL 4438/23 em que pese, como visto acima, a presença de propostas oportunas caminha em vereda oposta à constituição de um sistema eleitoral e partidário democrático.

Em primeiro lugar, o projeto de lei aprovado pela Câmara Federal tem cariz conservador eis que, ainda que trate de um amplo e diverso conjunto de matérias mantém  intocadas distorções estruturais do sistema eleitoral brasileiro como, por exemplo, a distorção da representação proporcional na composição da Câmara Federal, a inexistência de um piso mínimo de composição de mulheres e pessoas negras nos parlamentos em harmonia com a fixação de cotas mínimas de presença dos segmentos acima referidos no registro de candidaturas, na distribuição dos recursos do FEFC e da participação no horário de propaganda eleitoral de rádio e televisão.

Em segundo lugar, sua natureza avessa a construção de um sistema partidário democrático e permeável aos setores historicamente excluídos na sociedade brasileira é expresso, como antes visto, por um conjunto de alterações normativas que enfraquecem os partidos, as federações, reforçam o caciquismo dos chefes (as) políticos, fragilizam normas legais de promoção da participação de mulheres e, ampliam a desigualdade entre aqueles que disputam cargos eleitorais posto favorecer aqueles contendores com maiores recursos financeiros.

Em síntese, o PL 4438/23 atualiza o sistema eleitoral e político brasileiro, mantidos e aprofundados o caciquismo e a desigualdade.

Acesse a integra do PL-4438-2023

Com informações da Câmara Federal