Os sites que fazem propaganda dos “sistemas de doação” buscam dar um verniz de legalidade ao negócio, dizendo que não haveria problema, uma vez que se trata de doação direta prevista no Código Civil — e não depende da venda de produtos ou de “marketing multinível”. No entanto, não é a forma de pagamento que caracteriza a pirâmide, mas o formato do negócio.

Como funcionam as pirâmides ou “sistemas de doação espontânea”?

Pirâmides são mecanismo de arrecadar recursos financeiros, cujo retorno para os investidores não vem do investimento desses recursos, mas do aporte de novos investidores. O esquema funciona até o dia em que não haverá mais gente para ser recrutada. Assim, aqueles que entrarem por último não irão ter o retorno do seu investimento.

Colocando a conta na ponta do lápis, fica mais fácil ver como o esquema é insustentável. Se o “investimento” depende, por exemplo, de cada participante trazer cinco novos membros para a pirâmide, em dez rodadas, passa a precisar de mais de 9 milhões de pessoas, ou seja, a população da Suécia. Duas rodadas depois, 244 milhões de adeptos serão necessários (a população do Brasil e da Argentina juntos).

Conforme alerta cartilha sobre golpes financeiros feita pelo Ministério Público Federal:

“A dificuldade de identificar as pirâmides de imediato ocorre porque elas estão camufladas sob a aparência de um investimento idôneo e lucrativo”.

A prática de golpes, diz o documento, gera graves danos ao sistema financeiro nacional, à economia popular e ao patrimônio dos consumidores, “podendo atingir proporções gigantescas facilitadas pela rápida e incontrolável divulgação realizada pela internet e pela promessa de ganhos irreais”.

Esse tipo de esquema envolve, além de estelionato (obter vantagem para si induzindo ou mantendo alguém em erro), crimes contra a economia popular.

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Como distinguir um investimento financeiro de um golpe?

Casos de Pirâmides

Um exemplo recente de pirâmide financeira que atraiu investimentos de mais de um milhão de pessoas em diversos estados do Brasil foi chamado Sistema Bom (BBOM).

A empresa se anunciava como fornecedora de rastreadores de veículos por meio de pagamento de valor mensal. Na prática, porém, os participantes se associavam por meio de taxa de cadastro e de adesão, que variava conforme o plano escolhido. Em seguida, se comprometiam a trazer novos associados (por conta de promessa de maior remuneração) e a pagar taxa mensal. O esquema foi denunciado pelo MPF em São Paulo e em Goiás.

A atuação da empresa Telexfree, que vendia planos de minutos de telefonia pela internet (VoIP), serviço semelhante ao Skype, também foi caraterizada como pirâmide financeira pelo Ministério Público do Acre e denunciada à Justiça.

A empresa tinha como foco o recrutamento de pessoas e a captação de seus recursos para futura apropriação e desvio, sob a falsa promessa de investimentos em uma sustentável e promissora empresa de telefonia via internet. No país inteiro, estima-se que um milhão e meio de usuários faziam parte do negócio.

Ações Judiciais

Os sistemas de doações já começaram a chegar ao Judiciário.

O juiz Manoel Simões Pedroga, da Comarca do Bujari, no Acre, determinou a instauração de inquérito policial para investigar o esquema chamado de Mandala da Prosperidade. Em sua página no Facebook, Pedroga afirma que, segundo estimativas, em cada pirâmide, 88% dos participantes perderão dinheiro.

Alerta o magistrado:

Nesse tipo de negócio requer a cooperação da vítima, que enganada disponibiliza dinheiro ao enganador. Quem participa ou está no ‘erro’, entendido como falsa percepção da realidade, ou agindo com dolo direto ou eventual.

Em 2015, Pedroga condenou um divulgador da Telexfree ao pagamento de R$ 9,3 mil a um homem atraído para o plano. De acordo com a decisão, quem alicia novos integrantes para um esquema de pirâmide financeira comete ato ilícito civil e crime de estelionato, processo 0000045-48.2015.8.01.0010 – TJAC.

O Tribunal de Justiça do RS (TJRS) analisou variadas demandas envolvendo a empresa Telexfree. Num destes, processo de n. 70070960380, conforme 0 desembargador Vicente Barroco de Vasconcellos se teve que:

Da análise da vasta documentação acostada aos autos, somada às diversas decisões judiciais envolvendo a empresa ora recorrente e às exposições nos meios de comunicação, mostra-se induvidoso que a autora foi induzida em erro ao aderir à proposta contratual lançada pela recorrente, ingressando no que se denomina de “pirâmide financeira”, sistema que gera lucro única e exclusivamente aos criadores.

         …

Evidenciado nos autos que, em face da utilização de sistema chamado de pirâmide financeira, o lucro era alcançado único e exclusivamente aos criadores do empreendimento, sem o repasse do retorno financeiro prometido ao consumidor que aderiu a contratação com esse fim, o que ensejou o ajuizamento de ação civil pública (0005669-76.2013.8.01.0001) pelo Ministério Público do Acre, fins de questionar a legalidade dos negócios celebrados pela ré, em virtude da sua atividade ser considerada duvidosa e altamente nociva aos consumidores, ação na qual foi proferida decisão liminar que determinou a suspensão das atividades da empresa e o bloqueio de suas contas e bens.

Definitivamente, a propaganda enganosa e a exploração da boa-fé da população por parte da empresa requerida está amplamente comprovada, mostrando-se correta a decisão de origem no que toca à declaração de nulidade contratual, à devolução da quantia inicialmente desembolsada, bem como no que concerne ao dano extrapatrimonial, devidamente materializado.

Dai que, tenha decidido o TJRS:

No caso concreto, portanto, impõe-se o provimento do apelo no tocante à devolução dos valores pagos pelas cotas para ser divulgador dos serviços da TELEXFREE, no montante de US$ 1843,00, bem como os valores relativos à remuneração pelos serviços prestados em favor da ré, isto é, US$ 413,00, convertidos referidos valores com base no câmbio da data do pagamento.