Os assédios começaram cedo e na escola. Ainda no ensino fundamental, elas se lembram dos olhares constrangedores e comentários abusivos de professores. Na época, elas não entendiam que esse comportamento se configurava como assédio, mas já sentiam um grande desconforto.
Em outubro de 2015, após perceber essa realidade que seis meninas da Paraíba decidiram estimular mulheres a jogar luz sobre suas experiências com assédio em instituições de ensino. O meio escolhido foi a rede social Facebook. Na comunidade ‘Eu tinha um professor que’, elas contam histórias de abusos sexuais sofridos em ambiente escolar.
Em fevereiro, a pagina tinha 9.132 seguidores e haviam sido divulgados relatos de meninas da Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Pará, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Mato Grosso, Santa Catarina e Paraná e, até de outros países.
Segundo as criadoras da página:
Esta é uma página voltada para publicação de relatos, discussões e trocas de material acerca de assédios sofridos dentro de instituições de ensino. Essas ocorrências são extremamente comuns, mas geralmente abafadas pelo medo que as alunas têm de denunciar os próprios professores.
Podemos afirmar que a maioria das meninas já passou ou viu alguma amiga passar por situações de constrangimento, desde comentários sobre seus corpos em desenvolvimento às perseguições constantes. A página tem como intuito divulgar diversos depoimentos para que possamos combater e mostrar como esses casos são recorrentes. Se você já sofreu alguma forma de agressão verbal, assédio ou qualquer outro tipo de abuso por parte de professores, coordenadores, diretores ou qualquer funcionário que trabalhe nessas instituições de ensino, colégio, cursinho e afins, se sinta confortável para dividir suas experiências através de mensagens na página ou no Google Forms (http://goo.gl/forms/Uat6OFw7bT?). Tudo será postado anonimamente, para preservar a identidade e a segurança das vítimas envolvidas.
As postagens dando de situações como a descrita pela denúncia abaixo:
“Então, na verdade, eu não “tinha” um professor, Eu tenho um professor que todos os semestres assedia alunas do meu curso, um professor de Fisica. Ontem nós estávamos todos esperando que ele chegasse para dar aula, assim que entrou, ficou encarando as pernas de uma das minhas amigas, e então, soltou: “tá de pé só pra mostrar as pernas, né?”. Eu vi que ela ficou bem constrangida e enojada. E depois ele começou a dar aula falando sobre interação de corpos. E, por incrível que pareça, ele voltou a dizer: “digamos que eu goste de uma ruiva-loira (essa minha amiga é meio ruiva), e nós estejamos interagindo daquela forma, aquela mesma forma que seis meses depois nos vemos o resultado”. Nesse momento eu peguei minhas coisas e sai, ele já tem vários processo nas costas e a minha universidade nunca tirou ele de sala de aula.”
Recentemente, lembrando dessas situações três amigas universitárias de Porto Alegre criaram uma página no Facebook para que os alunos possam denunciar o assédio sexual e moral de professores.
A página Meu Professor Abusador recebeu em 03 dias mais de 600 relatos, a maioria de meninas, denunciando situações abusivas que passaram em sala de aula. Muitas das histórias aconteceram quando elas estavam no ensino fundamental ou médio – ou seja, ainda menores de idade. As denúncias são de assédio em escolas públicas e particulares.
Abaixo são reproduzidas algumas das postagens:
#230 “#MeuProfessorAbusador me deu aula de Educação Física por vários anos no Ensino Fundamental, em uma cidade do interior do RS. Adorava abraçar as alunas e dar tapas em suas bundas, cheguei a reclamar em casa, meu pai quis ir tirar satisfações, mas fiquei tão envergonhada, que pedi que por favor não fizesse isso…
Achava que era culpada… Hoje sei que a culpa nunca é da vítima.
#226 “#Meuprofessorabusador é uma mulher, tem uns 50 anos, trabalha no U. e dirige uma das sedes. Ela vive alisando as meninas, passa a mão na bunda, dá abraço por trás para passar a mão nos peitos, dá tapa na bunda das meninas na frente de qualquer um, é preconceituosa ao extremo, e já ofereceu monitoria/ emprego pra quem aceitar ficar com ela.”
Há casos de professores que teriam tocado partes íntimas das alunas e até proposto sexo em troca de notas.
Na página do Facebook as criadoras deram as seguintes orientações a quem pretenda postar denúncias:
Oi, gente. Tudo bem? Gostaríamos de pedir algumas coisinhas às pessoas que forem denunciar seus professores abusadores:
I – Não cite nomes. Dê características que tornem a pessoa identificável aqueles que a conhecem sem citar o nome dela (PODE: instituição na qual trabalha, idade, descrição física, disciplina que leciona, estado/cidade em que se encontra – NÃO PODE: nome, soma dos dados citados anteriormente que deixem indubitavelmente explícita a identidade do abusador). II …- Se você quiser anonimato, dê preferência para o Google Docs. III – Caso você tenha material multimídia (prints, por exemplo) que comprove algum tipo de assédio/abuso, envie para nosso inbox ou para o nosso e-mail ([email protected]). IV – Não faça relatos de cunho racista, machista, elitista, homo/lesbofóbico ou, enfim, que reproduzam qualquer tipo de opressão. Eles não serão postados.
Tudo isso é para a nossa segurança e também para a de vocês, pois sabemos que muitos desses homens são pessoas que detêm certo poder social e monetário, fato que nos coloca em risco judicial ao expormos suas identidades.
Continuem enviando relatos!
Mesmo sem terem se identificado, as criadoras da página dizem que já estão recebendo ameaças e ataques. A não identificação dos professores é uma precaução para evitar processos jurídicos e ataques a elas e às alunas que fazem as denúncias.
“Por enquanto estamos divulgando os relatos para levar o debate a um maior número de pessoas e para que as meninas saibam que não estão sozinhas ao enfrentar esse tipo de situação”, disseram as mulheres. Elas também pretendem ter a colaboração de uma advogada para auxiliar as meninas que queiram denunciar formalmente os professores abusadores. Além disso, pretendem elaborar um guia com orientações para as vítimas.
Disque 100 – Disque Direitos Humanos – Disque Denúncia Nacional
O principal é não se isolar, é procurar alguém de confiança e denunciar a situação para órgãos competentes. O principal é não se calar.
O Disque Denúncia foi criado em 1997 por organizações não-governamentais que atuam na promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes. Foi em 2003 que o serviço passou a ser de responsabilidade do governo federal. A coordenação e execução do Disque 100 ficou então a cargo da Secretaria de Direitos Humanos, criada no mesmo ano, vinculada à Presidência da República.
O que é o serviço?
O Disque Direitos Humanos, ou Disque 100, é um serviço de proteção de crianças e adolescentes com foco em violência sexual, vinculado ao Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, da SPDCA/SDH. Trata-se de um canal de comunicação da sociedade civil com o poder público, que possibilita conhecer e avaliar a dimensão da violência contra os direitos humanos e o sistema de proteção, bem como orientar a elaboração de políticas públicas.
A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) fez mudanças no Disque 100 que atendia exclusivamente denúncias de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes.
O serviço foi ampliado, passou a acolher denúncias que envolvam violações de direitos de toda a população, especialmente os Grupos Sociais Vulneráveis, como crianças e adolescentes, pessoas em situação de rua, idosos, pessoas com deficiência e população LGBTT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais).
Como é a atuação?
Com o objetivo de receber/acolher denúncias, procurando interromper a situação de violação de direitos humanos, o serviço atua em três níveis:
- ouve, orienta e registra a denúncia;
- encaminha a denúncia para a rede de proteção e responsabilização;
- monitora as providências adotadas para informar a pessoa denunciante sobre o que ocorreu com a denúncia.
Como denunciar?
O Disque 100 funciona diariamente das 8h às 22h, inclusive nos fins de semana e feriados. As denúncias recebidas são analisadas e encaminhadas aos órgãos de proteção, defesa e responsabilização, de acordo com a competência e as atribuições específicas, priorizando o Conselho Tutelar como porta de entrada (nas situações de crianças e adolescentes), no prazo de 24 horas, mantendo em sigilo a identidade da pessoa denunciante. Pode ser acessado por meio dos seguintes canais:
- discagem direta e gratuita do número 100;
- envio de mensagem para o e-mail [email protected];
- pornografia na intertet através do portal www.disque100.gov.br
- ligação internacional. Fora do Brasil através do número +55 61 3212.8400