Nos últimos anos, várias decisões da Justiça do Trabalho reconheceram a ilicitude da terceirização de atividades essenciais da Caixa Econômica Federal, dentre elas a de teleatendimento e vendas. A isonomia dos direitos da categoria dos bancários foi reconhecida nestes casos, por ser impossível a formação de vínculo com a CEF, sem o necessário concurso público. Inconformada com essa prática adotada pela Caixa, uma trabalhadora, aprovada em 668º lugar no concurso público para o cargo de Técnico Bancário Novo, procurou a Justiça do Trabalho, pedindo que fosse reconhecido o seu direito à nomeação. No entanto, a pretensão foi indeferida em 1º Grau.
A reclamante, então, apresentou recurso e a 6ª Turma do TRT de Minas Gerais deu razão a ela. Com base no voto do juiz convocado Carlos Roberto Barbosa, os julgadores reformaram a sentença para determinar que a Caixa proceda à contratação da reclamante no prazo fixado e sob pena de multa.
O relator amparou sua decisão em vários aspectos extraídos dos autos. Segundo registrou, o edital do concurso previu as seguintes atribuições do cargo de Técnico Bancário Novo: “”Prestar atendimento e fornecer as informações solicitadas pelos clientes e público (…) divulgar e promover a venda dos produtos da Caixa” (2.1.3). Por sua vez, um relatório da fiscalização elaborado pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE-MG), revelou que 1.135 profissionais empregados de empresa prestadora de serviço foram contratados pela Caixa, submetendo-se à intermediação de mão-de-obra.
“Os serviços prestados pelos empregados terceirizados são imprescindíveis à atividade finalística da Caixa, uma vez que compõem a essência da razão deste banco existir, especialmente quando se analisa que estes empregados laboram diariamente com serviços exclusivamente oferecidos pela empresa”, constou do voto.
Para o julgador, a prática exercida pela Caixa viola direito da autora. É que ela impede a contratação de novos empregados públicos para o exercício de tarefas que estão sendo atribuídas a empregados terceirizados. Em seu modo de entender, a terceirização é ilícita e constitui abuso de direito. Afinal, a Caixa deixa de cumprir as regras do concurso público, frustrando a expectativa de direito da reclamante.
O fato de a aprovação da reclamante no concurso ter se dado para cadastro de reserva, fora do número das vagas contempladas em edital, não foi considerado capaz de afastar o direito, mesmo que, em princípio, signifique ausência de direito subjetivo à nomeação. Isto porque, como ponderou o julgador, a contratação de pessoal terceirizado para a realização das mesmas funções, ainda que precariamente, denuncia a existência da vaga. Revela ainda a preterição do candidato aprovado em concurso público.
O magistrado aplicou ao caso o artigo 37, inciso IV, da Constituição, segundo o qual: “Durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira”. A terceirização levada a efeito foi repudiada, por camuflar a necessidade de contratação direta.
Em consideração ao princípio da aptidão para a prova, o entendimento do relator foi o de que a reclamada tinha o encargo de provar o número exato de terceirizados em substituição aos preteridos e se estes estariam ou não posicionados dentro do número de vagas necessárias. Mas não se desincumbiu desse ônus.
A fundamentada decisão lembrou ainda que o artigo 37 da Constituição da República impõe à Administração Indireta a obrigatoriedade da realização de concursos públicos para provimento de cargos e empregos públicos. Nesse contexto, a terceirização de serviços e a contratação temporária, nos termos do artigo 37, inciso IX da CF (“a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”), devem ser utilizadas apenas em caráter excepcional. E ficou claro para o relator que a Caixa se valeu da terceirização para satisfazer a uma necessidade permanente. “A atividade de telemarketing é de necessidade permanente tanto é que a ré firmou e vem firmando inúmeros contratos de prestação de serviços com diversas empresas, como é exaustivamente sabido por esta Eg. Corte”, registrou.
A conclusão final do relator foi a de que a contratação de pessoal terceirizado indica não apenas a necessidade do serviço, mas também o aperfeiçoamento do direito subjetivo à contratação da reclamante. O julgador rejeitou a possibilidade de violação ao princípio da isonomia, esclarecendo que a decisão não está preterindo candidatos. Segundo ele, estes podem ajuizar demanda pleiteando sua contratação sob o mesmo enfoque. Também não foi identificada qualquer afronta ao princípio da eficiência. Ao contrário, o relator considera que a decisão visa a garantir eficácia a esse princípio no sentido de determinar a contratação de empregado devidamente concursado e aprovado em certame oneroso à Administração para cargos ilicitamente ocupados por terceirizados.
A Súmula 15/STF foi considerada aplicável ao caso, por analogia: “”Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação”. O relator avaliou que o critério de ausência de observância da classificação decorre, indiretamente, da contratação de empregados terceirizados para realização das mesmas funções afetas ao cargo para o qual a autora prestou concurso.
“Em hipóteses como a dos presentes autos, o reconhecimento do direito subjetivo do candidato à nomeação visa impor limites à atuação da Administração Pública e dela exigir o estrito cumprimento das normas que regem os certames, com especial observância do dever de boa-fé e das garantias fundamentais que viabilizam a efetividade do princípio constitucional do concurso público e dos princípios que regem a administração pública, notadamente o da moralidade”, registrou, citando na decisão jurisprudência do TST e STJ no mesmo sentido.
Por fim, a decisão antecipou os efeitos da tutela, por entender presentes os requisitos previstos no artigo 273 do CPC. “Mais que a aparência ou o fumus está presente o bom direito, já sedimentado nas esferas administrativas e judiciais, sendo injustificável o retardo da empresa em reconhecê-lo. Por outro ângulo, não há o perigo da irreversibilidade, porquanto a reclamada terá se beneficiada da mão de obra da reclamante, caso em que haverá apenas a contraprestação pelos serviços de técnica bancária”, constou dos fundamentos, sendo o entendimento acompanhado pela Turma julgadora.