A 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a relação de emprego entre um entregador e plataforma de entregas por delivery.

O caso chegou ao TST após o Tribunal Regional negar o pedido compreendendo, em suma, que a decisão sobre ligar ou não o aplicativo e iniciar o atendimento, bem como sobre aceitar ou recusar a entrega, competia exclusivamente ao trabalhador. A defesa do entregador sustentou que a decisão violou os artigos 2° e 3° da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ao entender que a relação jurídica com a empresa não atendia aos requisitos do vínculo de emprego.

Para a ministra Kátia Magalhães Arruda, relatora do caso, ficou demonstrado que a empresa exigiu que o entregador seguisse determinadas diretrizes para o desempenho do trabalho mediante a intermediação do aplicativo.

“Não há qualquer registro fático de que o reclamante poderia se fazer substituir por outra pessoa no exercício de seu labor. Dessa forma, tal cadastro torna notório o caráter infungível da obrigação de fazer assumida pelo reclamante. Logo, é presente o requisito da pessoalidade.”

A relatora também compreendeu que, pelo fato do trabalhador ter prestado serviços com o intuito de obter pagamento em dinheiro, se fez presente o requisito da onerosidade.

A magistrada destacou que o entregador tinha flexibilidade para determinar o início e o fim de sua jornada diária, bem como a duração da carga horária, mas que somente isso não é apto para afastar a habitualidade na prestação dos serviços.

“No caso concreto, a causa do trabalho do reclamante é a existência de contrato previamente celebrado entre as partes, a fim de que o reclamante, no momento em que sentir necessário, inicie ou termine a prestação laboral. Ademais, a manutenção de cadastro pela reclamada e sua contínua fiscalização dos serviços prestados (por meio de controle de avaliações lançadas ao aplicativo) viabiliza a conclusão de que tal prestação laboral era permanentemente tutelada pelas partes. Não significa que o labor houvesse de ser contínuo, mas, sim, que a relação jurídica contratual mantida entre as partes era contínua (não há consignação fática de que o termo final era um elemento acidental do negócio jurídico celebrado). Portanto, é presente, também, o requisito da habitualidade (não eventualidade) da prestação dos serviços.”

Analisando a possibilidade de subordinação jurídica, a ministra afirmou que, no caso, é incontroversa a existência de prévia relação contratual entre as partes, formada especificamente para que o entregador passasse a prestar os serviços em favor dos clientes que acessavam o aplicativo, administrado e organizado pela empresa. A relatora destacou que a empresa exigia do trabalhador a obediência a diretrizes para a prestação dos serviços, o que caracteriza o poder de direção. Caso o entregador não seguisse as orientações, ele poderia ser alvo de sanções.

“É patente que a reclamada tinha a faculdade contratualmente prevista de aplicar sanções em face do reclamante, o que denota o pleno exercício do poder disciplinar. Ante todo o exposto, o reclamante, entregador, ao prestar os serviços de entrega de mercadorias de maneira condizente com os limites regulamentares e com os algoritmos orientadores, ambos estipulados unilateralmente pela reclamada e aceitos em contrato de adesão pelo reclamante, com fiscalização e controle da prestação de serviços realizados por meios informatizados, é presente a subordinação jurídica (art. 6º, parágrafo único, da CLT).”

Algoritmos

A ministra destacou que os algoritmos de aplicativos de entrega de mercadorias destinam-se, por natureza e finalidade próprias, a atender a instruções previamente definidas pelo gestor do modelo de inteligência artificial que os processará. Por isso, é inequívoco o exercício do poder de organização das empresas, já que predefinem as variáveis relevantes à execução dos serviços de entrega de mercadorias.

“Em razão da adaptabilidade do algoritmo como elemento operável para o fim da organização e da direção do trabalho alheio, o método adotado pela reclamada origina verdadeiro algoritmo de plataformas de entregas. Trata-se de um mecanismo construído inequivocamente com a finalidade de organizar e dirigir a prestação de serviços de entregas de mercadorias por entregadores (motofretistas), por intermédio de aplicativo acessado por usuários que conhecem a finalidade básica da respectiva plataforma, e nela depositam confiança, exatamente, pelo fato de ser submetida a diretrizes estabelecidas pela empresa que lhe empresta o nome.”

A relatora ressaltou que a subordinação clássica e a subordinação algorítmica, embora cumuláveis, não se confundem. “Esta última consiste em classificação moderna do instituto da subordinação que não se deve ao fundamento da existência da subordinação (o contrato, na subordinação jurídica; o patrimônio, na econômica; o conhecimento, na técnica), mas, sim, à forma de exercício do poder de comando pelo empregador.”

Acesse o acórdão: tst-reconhece-vinculo-entre-entregador
RR 1000488-92.2022.5.02.0063