“Disse Paulo o que pensava. Não tinha dolo de imputar, falsamente, nenhum fato desabonatório a ninguém. (…) Agora, mesmo que a opinião de Paulo fosse equivocada, não vejo como não ser dado a ele o direito de expô-la”.

Com esse entendimento, o Juiz de Direito Leandro Augusto Sassi, titular da 2ª Vara Criminal da Comarca de Santa Maria, absolveu Paulo Tadeu Nunes de Carvalho das acusações de calúnia e difamação supostamente cometidas contra os Promotores de Justiça Joel Oliveira Dutra e Maurício Trevisan, em processo ajuizado pelo Ministério Público. Pai de uma das 242 vítimas fatais do incêndio na boate Kiss, o réu respondia por declarações feitas em um artigo publicado no jornal Diário de Santa Maria.

“Quantas vezes dizemos o que pensamos e vemos ao fim o quão errado estávamos, mas mesmo assim, deve sempre nos ser resguardado o sagrado direito de dizer. Sombrios os tempos em que as liberdades eram tolhidas, os textos censurados, os pensadores exilados, os corajosos torturados e ‘desaparecidos’Oxalá esse tempo nunca mais volte!”, concluiu o magistrado.

Caso

De acordo com o Ministério Público, Paulo tentou macular a reputação dos Promotores de Justiça Joel e Maurício, ao publicar artigo no jornal Diário de Santa Maria (em 24/4/15).

No texto, entre outras afirmações, o denunciado Paulo Tadeu Nunes de Carvalho disse:

O absurdo é observar o silêncio (esclarecedor) dos promotores responsáveis pelo caso Maurício Trevisan e Joel Dutra e saber que os promotores do Ministério Público de Santa Maria, mesmo com todos os indícios de envolvimento do prefeito e de seus secretários, pediram o arquivamento do processo de improbidade administrativa”.

Temos o cheiro podre do protecionismo entre os poderes, tão relatado nas esferas federais dos grandes escândalos”.

De acordo com a acusação, o réu criou evento público intitulado “Audiência delegado Sandro Meinerz Tragédia Santa Maria”, no qual estimulava as pessoas a acompanhar a audiência de instrução.

Entre outros argumentos, a defesa do réu alegou que em nenhum momento o réu imputou aos Promotores a prática de crime, se limitando a questionar o porquê de existirem provas e nada ser feito contra os fiscais. E que, no seu ponto de vista, apenas externou seu sofrimento e indignação, falando em âmbito nacional.

Promotores

Em depoimento, o Promotor de Justiça Joel de Oliveira Dutra disse que se sentiu bastante ofendido e atacado porque é Promotor de Justiça há 20 anos e nunca se portou de modo que fosse contra sua consciência. E que não poderia suportar, em nome de uma dor, que espalhem inverdades a respeito de sua honra.

Os Promotores disseram que durante todo o tempo, sempre se reuniam com os pais da Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes de Santa Maria (AVTSM), da qual o réu é diretor jurídico, para manter clareza em relação ao caso. Que as inconformidades dos pais eram manifestadas nesses encontros, mas que todas eram compreensíveis.

De acordo com o Promotor Mauricio Trevisan, a partir de um determinado período, as manifestações começaram a mudar e ficaram mais enfáticas, levando para audiência fotos de cartazes e manifestações. Asseverou que o ponto de tolerância chegou ao final com a publicação do artigo em 24/4/15 e com as manifestações feitas na internet e, com isso, decidiram formalizar a representação.

Sentença

O Juiz Leandro Sassi considerou que, embora a acusação alegue que Paulo caluniou os Promotores, apontando que teriam praticado delito de prevaricação, se trata apenas de uma mera crítica quanto à atuação dos membros do MP.

Segundo o juiz:

Aliás, trazida apenas nos dois primeiros parágrafos do texto publicado no jornal, o acusado Paulo limitou-se a questionar suas atuações no processo, referindo que, em seu entender, deveriam ter os Promotores maior determinação na produção da prova e apuração das responsabilidades pela tragédia, mas em nenhum momento indica que tenham feito isto para satisfazer qualquer interesse pessoal escuso”.

Na avaliação do magistrado, o delito de calúnia não se satisfaz com declaração infeliz, colérica ou leviana, sendo aceita somente a declaração conscientemente falsa. Aquela que deriva da mente do autor, que lhe sabendo inverídica, mesmo assim lhe traz às luzes, para prejudicar dolosamente o ofendido.

Não há a mínima prova da consciência da falsidade da declaração. Ao contrário, toda prova aponta no sentido inverso, qual seja de que Paulo, ao publicar o texto objeto desta lide, o fez acreditando sinceramente que tudo aquilo que dizia correspondia à verdade”, afirmou.

Conforme a sentença:

Veja-se que se trata de pessoa gravemente ferida por uma indescritível tragédia e que não possuía qualquer formação jurídica ou capacidade de compreender os atos processuais e suas motivações”.

No mesmo sentido, o magistrado também absolveu o réu da acusação da prática de difamação.

Percebe-se que a crítica contida nos textos do réu Paulo não traz uma ofensa dirigida à pessoa determinada, mas sim uma crítica a atuação institucional do Ministério Público, o que obsta a punição pelo tipo penal da difamação. Queria o réu, assim como a maioria dos familiares que todos fossem responsabilizados, pois aos olhos desses pais, mães e de boa parte da população, a responsabilidade não se restringiria a três ou quatro pessoas”.

Processo n° 027/2.15.0012854-3

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Com informações do TJRS