Gargalos no cruzamento de dados por TSE e TCU podem jogar suspeitas em candidatos e legendas

Por   Amilton Belmonte    

O pleito 2016 será lembrado como o primeiro em que a Lei nº 13.165/2015, conhecida como Reforma Eleitoral, promoveu importantes alterações nas regras ao introduzir mudanças nas leis n° 9.504/1997 (Lei das Eleições) e nas legislações sobre partidos e o código eleitoral.

A grande novidade foi a proibição da doação privada de empresas às campanhas, numa tentativa de minar a corrupção e o desvio de recursos que vinham sendo prática constante. E a auditagem de candidatos e legendas, a ser cumprido até 1o de novembro próximo, ocorre agora via Sistema de Prestação de Contas (SPCE 2016), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Processo que poderá sombrear biografias até então ilibadas e que já acendeu um sinal amarelo. Em setembro, após o TSE e o Tribunal de Contas da União (TCU) celebrarem convênio interligando seus sistemas para o cruzamento de dados de candidatos e siglas, um primeiro pente-fino levou a Justiça Eleitoral a identificar um volume de 34% de supostos indícios de irregularidades.

Fato que gerou uma avalanche de notificações de juízes eleitorais a políticos e partidos na busca de explicações. Porém, por trás das supostas irregularidades estaria um gargalo técnico. “Políticos e servidores públicos que se descompatibilizaram dos seus cargos, teoricamente, não têm fonte de renda. Mas isso não quer dizer que não tenham guardado dinheiro paras campanhas ou feito doações a elas. Acontece que o sistema, com essa integração ao cruzar os dados, não localiza a fonte de renda deles e gera uma notificação, que é encaminhada ao juiz e depois em forma de cobrança de explicações aos candidatos”, comenta o advogado e especialista em Direito Municipal e Gestão e Políticas Públicas, Lúcio da Costa.

Respeito ao eleitor 

A cientista política e social Elis Radmann entende que o eleitor deve ficar atento às brigas jurídicas pós-pleito, sejam elas por ficha suja, crime eleitoral ou impugnação das contas de campanha. “Em Novo Hamburgo, por exemplo, tivemos isso em 2012. Também em Erechim e Vacaria. O eleitor, quando elege alguém, se sente frustrado e incapaz quando esse candidato é impugnado, o que também causa um mal terrível às comunidades”, garante. Como orientação a partidos e siglas, a também diretora do Instituto Pesquisas de Opinião (IPO) é enfática: “Os candidatos e partidos precisam rever esse processo pós-pleito, pra evitar o desgaste, por que o pior fica para o eleitor”, assinala.

Transparência que deve ser adotada a exaustão pelos partidos e siglas, frisa Lúcio da Costa. “Que no prazo da notificação que tenha sido enviada, que busquem informar da maneira mais exaustiva possível ao juiz eleitoral, juntem todas as provas que tiver que juntar, pois na verdade a apresentação é só 30 dias depois do pleito. Pra que aí quando forem de fato apreciadas as contas, que a maioria dos problemas já estejam sanados”, orienta ele.

Armadilhas técnicas

Outra “arapuca técnica” nesse novo crossover de informações entre o TSE e TCU, e formalizado após as regras da eleição terem sido definidas e, com isso, dando margem a indícios equivocados de irregularidades, são as contribuições de pessoas vinculadas a um mesmo CNPJ. “É mais ou menos provável que CCs de uma prefeitura, por exemplo, tenham contribuído para a candidatura de um prefeito à reeleição. E fazendo doações legais e compatíveis com os seus rendimentos. Mas o sistema vai ler e localizar doações que tiveram origem nessa prefeitura, entendendo como indício de contribuição irregular indireta”, ilustra Costa.

Riscos até com o auxílio-desemprego

Mais exemplos de possíveis equívocos na análise da prestação de contas de candidatos e partidos são ilustrados por Lúcio da Costa. “O TSE vai buscar quem não tem capacidade de doar e doou. Mas aí entra uma situação delicada, pois cidadão que esteja recebendo auxílio-desemprego, por exemplo, não tem fonte de renda. Mas pode doar, nada o impede disso”, esclarece. Outro potencial problema nessa auditoria eletrônica poderá envolver o já polêmico programa Bolsa-Família. “Se o cidadão que é beneficiado pelo programa decide doar 10 reais a uma campanha e dá o dinheiro, inclusive com recibo, o sistema poderá apontar que está irregular, mesmo que vedação legal à doação não exista”, diz Costa.

Sobrecarga nos cartórios

Os gargalos advindos da forma como foi estruturado o convênio de auditagem eletrônica e cruzamento de dados entre o TSE e o TCU já têm um reflexo. “Na sobrecarga para os cartórios, pois isso vai gerar milhares de notificações equivocadas por irregularidades, com o candidato tendo prazo de 72 horas para dar informação e explicações”, diz Lúcio da Costa.

Realidade que é confirmada pelo secretário do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RS), Herbert Dias. “Cria problema mesmo e está sendo bem trabalhoso. Mas está havendo cuidado nosso quanto a isso”, resume ele. Contudo, o reflexo pode ser ainda mais nefasto, como afirma Costa. “Pode passar a falsa impressão à sociedade de que tem um escandaloso problema com o candidato e a sigla, ainda mais num momento de caça às bruxas dos políticos”, observa o jurista.

Irregularidades em dois momentos

Secretário de Controle Interno do TRE-RS, Herbert Dias explica que a suspeita de irregularidade nas doações às campanhas pode aparecer em dois momentos. O primeiro, quando feita a tramitação interna dentro do cartório eleitoral, analisadas as contas e o sistema relatar indícios de irregularidades nas contas preliminares. “Será então apresentado relatório ao juiz eleitoral, sugerindo a expedição de uma diligência para busca de informações, que deverão ser dadas em até 72 horas”, detalha. O segundo momento, é na prestação final das contas. “E onde poderá aparecer ou não alguma irregularidade. Em caso de sim, é feita outra diligência, para dar oportunidade de defesa ao prestador, para então ser enviado ao juiz eleitoral e depois ao Ministério Público Eleitoral”, esclarece Dias.

Ele enumera que, no Estado, são 173 zonas eleitorais, com cerca de 150 cartórios eleitorais recebendo a prestação de contas. “Os candidatos prestam contas nos cartórios, mas diretórios dos partidos prestam conta nos partidos, diretório estaduais no TRE e diretórios nacionais no TSE, porque todos, em todas as esferas, têm que prestar contas e há esse cruzamento de dados”, ressalta. Pondera, ainda, que no site do TSE ou do TRE-RS é possível baixar a cartilha “As eleições, os candidatos, os trabalhadores e a Receita Federal”, compilando informações e esclarecimentos sobre as obrigações tributárias nas Eleições 2016.

Prestação de contas
Fonte: Diario de Canoas – 09/10/2016 08:58