A Prefeitura de São Paulo não poderia ter apresentado pedido para internar usuários de drogas que ficam na região da cracolândia, no centro da capital, na ação movida pelo Ministério Público paulista. Isso porque o pedido deste feito é totalmente diferente das pretensões da administração municipal.
O entendimento é do desembargador Borelli Thomaz, da 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça estadual. “Não se pode identificar a possibilidade de intervenção sem que haja mínimo liame entre os interesses em disputa”, disse o relator.
A ação em questão foi apresentada pelo Ministério Público em 2012. O órgão pede no processo que sejam impostos limites à ação da Polícia Militar na abordagem de usuários de drogas. Já há uma cautelar impedindo que os agentes de segurança causem situação vexatória, degradante ou desrespeitosa contra os dependentes químicos.
A liminar também proíbe que policiais impeçam pessoas nessa condição de permanecer na rua ou as obrigue a ir para outros lugares, exceto em caso de flagrante delito. Já o pedido da prefeitura na ação trata de autorização para agentes de saúde e guardas-civis metropolitanos abordarem usuários de crack para avaliar o estado dessas pessoas.
Caso seja decidido que é necessária a internação compulsória, será feito um pedido à Justiça, que analisará caso a caso. Uma liminar foi concedida no último dia 26 permitindo a ação, mas, dois dias depois, nova cautelar suspendeu a validade da decisão favorável à administração João Doria (PSDB).
Ao extinguir o feito, o desembargador destacou que não há qualquer relação entre os pedidos da prefeitura e do MP-SP.
Por fim, o desembargador afirmou não ver necessidade de o feito permanecer em segredo de Justiça.
Críticas à ideia
Para a Prefeitura de SP, a medida é necessária porque os usuários de drogas que andam pela região da cracolândia, no centro, não têm mais controle sobre seus atos e precisam de auxílio. A administração alegou ainda que as condições sanitárias da área são péssimas, afetando inclusive a coletividade.
A Defensoria Pública de São Paulo e o MP-SP se manifestaram contra o pedido da prefeitura paulistana. Para os defensores públicos, o pedido é extremamente vago, amplo e perigoso, sem dar possibilidade de defesa às pessoas abordadas.
A Defensoria argumenta que a Lei Antimanicomial (Lei Federal 10.216/2001) limita a internação compulsória quando outras tentativas de tratamento forem insuficientes. Diz ainda que essa medida deve ser excepcional, com laudo médico prévio, e que o pedido afronta as leis federais 8.080/90 e 11.343/06.
A Defensoria enfatizou o caráter excepcional de internações compulsórias por dependência química, que só podem ocorrer em caso de extrema necessidade, quando esgotadas outras alternativas.
“Ocorre que medidas massificadas, abruptas e generalizantes como a ora impugnada possuem o potencial de espalhar os usuários, desarticulando toda a rede de assistência social e à saúde que já se encontrava consolidada na região, inviabilizando, de forma colateral, soluções que gerem menos sofrimento àqueles”, argumentou a Defensoria.
Na última quinta-feira, a Defensoria já havia oferecido parecer à Justiça no qual argumentava que o pedido da Prefeitura, que busca autorização para a “busca e apreensão de pessoas em situação de drogadição com a finalidade de avaliação (…) e internação compulsória”, é extremamente vago, amplo e perigoso, pois daria ao Município carta branca para eleger quem são as pessoas nesse estado, sem que houvesse qualquer possibilidade de defesa a elas.
LIMINAR PROÍBE REMOÇÕES E INTERDIÇÕES COMPULSÓRIAS NA CRACOLÂNDIA
Noutra ação, em liminar proferida pela 3ª Vara da Fazenda Pública, a prefeitura foi proibida de promover novas emoções na área da cracolândia sem prévio cadastramento das pessoas para atendimento de saúde e habitação. A decisão reconhece ainda que moradores podem retirar pertences e animais de estimação dos imóveis.
A Justiça também estabeleceu multa diária de R$ 10 mil caso a Prefeitura não cumpra a decisão. Na ação, a Defensoria Pública de São Paulo detalha que ouviu das pessoas que moram na cracolândia e região diversos relatos de violações e abusos pelas autoridades.
Segundo a Defensoria de SP, a prefeitura começou a fiscalizar os prédios da região e interditá-los para demoli-los, mas isso foi feito independentemente da presença de pessoas dentro das construções e sem dar oportunidade de retirada de pertences e documentos.
De acordo com o pedido, as demolições só deveriam ocorrer após atuação do serviço social das Secretarias Municipais de Assistência e Desenvolvimento Social e de Habitação, sendo que a população em situação de rua que ficava na região hoje está desprovida de referência territorial e sem acolhimento fixo em serviços sociais.
Com informações da Assessoria de Imprensa da Defensoria Pública de SP e do Tribunal de Justiça de SP