A gravidez que pode ser um sonho para muitas mulheres também pode ser um pesadelo, uma tortura psicológica e causa de graves riscos à saúde para outras. Em homenagem ao Dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher (28/05), o boletim semanal do Costa & Advogados Associados abordará na presente matéria alguns pequenos avanços jurídicos relacionados ao reconhecimento do direito que as mulheres possuem à saúde e ao próprio corpo.
No dia 27/05 do mês corrente, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) autorizou a interrupção da gravidez de gêmeos siameses no sexto mês de gestação. Os gêmeos sofrem de “gemialidade imperfeita” e possuem duplicação da coluna vertebral, compartilhando quatro membros e o coração. Em razão das anomalias, possuem poucas expectativas de sobrevida após o nascimento, havendo mesmo poucas chances de sobreviverem ao parto.
O habeas corpus, que havia sido extinto no primeiro grau de jurisdição, ganhou decisão unânime de procedência na 8ª Câmara Criminal do TJ-RJ.
Em seus fundamentos, os desembargadores apreciaram a improbalidade de sobrevida das crianças, mas também levaram em consideração uma dimensão comumente secundarizada – ou mesmo não abordada – neste tipo de debate: a saúde da mulher.
E mais: a saúde da mulher, neste julgamento, não foi abordada apenas a partir da perspectiva física, mas também da perspectiva psicológica.
Ao colocar a saúde da mulher no centro do processo, os julgadores não limitaram a discussão aos [graves e relevantes] riscos físicos atrelados a eventual continuidade da gravidez, que poderia resultar em complicações como hipertensão e esterilidade, mas também consideraram os danos psicológicos, tendo em vista que a situação em debate configura “verdadeira tortura psicológica” para a mulher.
Dentre os precedentes utilizados para fundamentar a decisão, encontra-se a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº54, através da qual o Supremo Tribunal Federal declarou, por maioria, a inconstitucionalidade de interpretação que considere criminosa a interrupção de gravidez de feto anencéfalo.
A aplicação analógica deste precedente pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, conforme expuseram os próprios julgadores, “extrai os direitos constitucionais da mulher, precisamente o direito à dignidade da pessoa humana, à liberdade, à autonomia da vontade, à privacidade e à saúde, em aparente conflito com o direito à vida intrauterina”.
É certo que estas decisões, por ora, apenas abordam casos pontuais que se vinculam a gestações dos chamados “fetos imperfeitos”, ou seja, que não possuem expectativas de sobrevida neonatal, mas a consideração da autonomia da vontade, da dignidade e da saúde da mulher sinalizam para avanços na busca pelo reconhecimento dos direitos de todas as mulheres sobre o próprio corpo.
Habeas Corpus nº 0023285-95.2015.8.19.0000
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