A Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal questionaram a ordem do presidente Jair Bolsonaro para que as Forças Armadas comemorem, neste domingo (31/3), os 55 anos do golpe militar de 1964. Para as entidades, a medida viola princípios constitucionais e pode configurar ato de improbidade administrativa.
A determinação de Bolsonaro foi confirmada pelo porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros. Segundo ele, o presidente ordenou ao Ministério da Defesa que faça as “comemorações devidas” pelo aniversário do início do regime militar.
Ação da Defensoria Pública da União
Em ação civil pública contra a União, a DPU afirma que a ditadura militar violou diversos direitos e garantias fundamentais dos brasileiros. A Defensoria lembra que o regime promoveu assassinatos, torturas, prisões arbitrárias e cassações de políticos, funcionários públicos e dirigentes sindicais.
Para a DPU, a ordem de Bolsonaro viola o princípio da legalidade. Isso porque a Lei 12.345/2010, estabelece que a instituição de datas comemorativas que vigorem em todo território nacional deve ser objeto de projeto de lei.
“Resta claro, portanto, que caso o presidente decidisse instituir uma nova data comemorativa nacional seria necessário, no mínimo, uma convergência de vontades, respeitando o princípio da separação de poderes, previsto no artigo 2º do nosso texto constitucional. Considerando que o pilar democrático é a harmonia e independência entre os Poderes, não poderia o Chefe do Executivo, deliberadamente, incentivar ou permitir comemorações oficiais ao arrepio da lei, do Congresso Nacional e, em ultima escala, da sociedade”, alega a Defensoria.
A determinação do presidente para que as Forças Armadas comemorem os 55 anos do golpe militar também viola o princípio da moralidade, sustenta a DPU. Afinal, destaca a entidade, a medida “é ofensiva à memória de todas as pessoas que foram perseguidas, torturadas e assassinadas no período ditatorial brasileiro”.
A DPU também ressalta que o comando de Bolsonaro fere o direito à memória e à verdade e estimula novos golpes, colocando em risco o Estado Democrático de Direito.
Dessa maneira, a Defensoria pede que liminar para proibir a União de promover comemorações de aniversário do golpe militar e de gastar recursos com esse objetivo.
Acesse a íntegra da petição da DPU: dpu-ditadura
Ação no Supremo Tribunal Federal
Além da ação judicial da DPU e da manifestação do MPF foram ajuizada varias ações contra ordem de Bolsonaro. Destas cumpre destacar a de um grupo de vítimas e familiares de vítimas da ditadura militar entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a comemoração do aniversário do golpe de 31 de março de 1964.
A ação, que está sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, pede que não haja qualquer ordem de realização de comemoração ou atos que “violem o direito à memória e à verdade” em relação à ditadura, e que esses atos sejam cassados, se já tiverem sido realizados. Os autores alegam que são vítimas ou familiares de vítimas da ditadura reconhecidas pela Comissão Nacional da Verdade, em seu relatório final publicado em 2014.
Na ação, eles afirmam que, ao determinar celebrações da data, o presidente, “que reiteradamente faz apologia à ditadura em seu cotidiano”, estaria violando o direito à verdade, pois “conclama” que um regime “que notoriamente torturou e matou milhares de pessoas seja exaltado com honrarias”. Para eles, a postura de Bolsonaro “ironiza as vítimas da ditadura”, desrespeitando as memórias de violências sofridas.
“Ao celebrar o golpe que desembocou na ditadura militar brasileira que durou 21 anos (1964-1985), o presidente coloca em cheque asprovas inquestionáveis de tortura, homicídios, suicídios forjados e desaparecimentos relatadas por sobreviventes e seus familiares em documentos como a Comissão Nacional da Verdade (CNV), questionando a memória e a verdade dessas histórias trágicas que ainda são feridas abertas neste país”, dizem.
Saiba mais
Acesse aqui aos Relatórios da Comissão Nacional da Verdade.
Para os autores da ação, “exaltar o golpe é desdenhar do passado e, abertamente, causar insegurança quanto ao futuro da democracia”. “Exaltar o golpe é fazer com que cada uma das famílias, impetrantes e muitas outras, bem como todas aquelas que vivenciaram os horrores da repressão, sejam questionadas publicamente em suas versões e memórias, desrespeitando-se de forma direta o direito à verdade, pois questionando a veracidade do que se viveu na pele, na carne, nos ossos e na alma”, afirmaram ao Supremo.
Os autores da ação afirmam ainda que a determinação “reveste-se de imoralidade administrativa”, porque iria contra mandamento constitucional que exige do Estado o dever de reconhecer “os períodos de exceção, seus crimes e suas vítimas e de promover a devida reparação”.
Nota do MPF
Já o MPF, por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), afirma em nota que “festejar um golpe de Estado e um regime que adotou políticas de violações sistemáticas aos direitos humanos e cometeu crimes internacionais” é “incompatível com o Estado Democrático de Direito”.
A Procuradoria lembra que, se Bolsonaro apoiasse um golpe militar nos dias de hoje, ele praticaria crime de responsabilidade – que motiva a abertura de processo de impeachment.
“O golpe de Estado de 1964, sem nenhuma possibilidade de dúvida ou de revisionismo histórico, foi um rompimento violento e antidemocrático da ordem constitucional. Se repetida nos tempos atuais, a conduta das forças militares e civis que promoveram o golpe seria caracterizada como o crime inafiançável e imprescritível de atentado contra a ordem constitucional e o Estado Democrático previsto no artigo 5°, inciso XLIV, da Constituição de 1988. O apoio de um presidente da República ou altas autoridades seria, também, crime de responsabilidade (artigo 85 da Constituição, e Lei 1.079, de 1950). As alegadas motivações do golpe – de acirrada disputa narrativa – são absolutamente irrelevantes para justificar o movimento de derrubada inconstitucional de um governo democrático, em qualquer hipótese e contexto.”
A Comissão Nacional da Verdade concluiu que agentes da ditadura militar assassinaram ou desapareceram com 434 pessoas e 8 mil índios, recorda o MPF. Além disso, prenderam ilegalmente e torturaram entre 30 mil e 50 mil pessoas. Portanto, comemorar o dia do golpe militar pode caracterizar ato de improbidade administrativa, diz o órgão.
“Festejar a ditadura é, portanto, festejar um regime inconstitucional e responsável por graves crimes de violação aos direitos humanos. Essa iniciativa soa como apologia à prática de atrocidades massivas e, portanto, merece repúdio social e político, sem prejuízo das repercussões jurídicas. Aliás, utilizar a estrutura pública para defender e celebrar crimes constitucionais e internacionais atenta contra os mais básicos princípios da administração pública, o que pode caracterizar ato de improbidade administrativa, nos termos do artigo 11 da Lei 8.429, de 1992.”
Acesse aqui íntegra da nota do MPF.
Atos Em Memoria das Vitimas da Ditadura
Porto Alegre
São Paulo