A Intolerância Religiosa
Às vésperas do Carnaval, um evento entre tantos a demonstrar a presença e a vitalidade da herança dos povos negros no Brasil contemporâneo é preocupante observar o crescimento do fenômeno da intolerância religiosa no País e, em particular, da intolerância com as religiões de matriz africana.
A intolerância religiosa é um conjunto de ideologias e atitudes ofensivas a crenças e práticas religiosas ou a quem não segue uma religião. É um crime de ódio que fere a liberdade e a dignidade humana. O agressor costuma usar palavras agressivas ao se referir ao grupo religioso atacado e aos elementos, deuses e hábitos da religião. Há casos em que o agressor desmoraliza símbolos religiosos, destruindo imagens, roupas e objetos ritualísticos. Em situações extremas, a intolerância religiosa pode incluir violência física e se tornar uma perseguição.
O Crescimento da Intolerância Religiosa
Muitas agressões são cometidas pela internet. Segundo a associação SaferNet, em 2012, a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos recebeu 494 denúncias de intolerância religiosa praticadas em perfis do Facebook. O mundo virtual reflete a situação do mundo real. De 2006 a 2012, foram 247.554 denúncias anônimas de páginas e perfis em redes sociais que continham teor de intolerância religiosa.
Em 2015, o número de denúncias relacionadas à discriminação religiosa aumentou 70% no ano passado no Brasil na comparação com o ano anterior, chegando a 252, o mais elevado patamar registrado desde a criação do Disque Direitos Humanos, o Disque 100, há quatro anos.
Os dados foram divulgados no Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, 21 de janeiro pela Secretaria de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. A data foi instituída em 2007 pela Lei 11.635, em homenagem a Gildásia dos Santos e Santos, a Mãe Gilda, do terreiro Axé Abassá de Ogum, de Salvador. A religiosa do candomblé sofreu um enfarte após ver sua foto no jornal evangélico Folha Universal, com a manchete “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”. A Igreja Universal do Reino de Deus foi condenada a indenizar os herdeiros da sacerdotisa.
Em todo o Brasil, de acordo com a Secretaria de Direitos Humanos, entre 2011 e 2015, foram registrados 697 casos de intolerância religiosa, denunciados pelo Disque 100. Em 2014, foram 149 denúncias. Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais encabeçam a lista de denúncias, com 131, 128 e 64 casos, respectivamente.
Já os registros da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) revelam que os pardos e negros são as principais vítimas de intolerância religiosa, com 34,66% dos casos; os brancos foram vítimas em 22,38% das denúncias.
Em relação ao perfil dos responsáveis pela discriminação religiosa, os suspeitos eram vizinhos das vítimas em 26,94% dos casos e, em 29,4% das denúncias, desconhecidos. De ressaltar o fato de que cerca de 5% dos agressores eram professores.
Ao longo do ano passado, alguns casos se destacaram no noticiário. Em junho, uma menina de 11 anos foi apedrejada quando saia de um culto religioso em um subúrbio do Rio de Janeiro. Já no Distrito Federal, houve uma série de ataques contra terreiros de candomblé entre setembro e novembro, e um incêndio, que suspeita-se ter sido criminoso, destruiu um terreiro na cidade do Paranoá.
São Paulo tem mais denúncias
O maior número de denúncias foi feito em São Paulo (37), seguindo-se o Rio de Janeiro (36), Minas Gerais (29) e a Bahia (23). Embora haja a impressão geral de que grande parte das vítimas pertence a religiões de matrizes africanas, a Secretaria de Direitos Humanos não apresentou dados destrinchados por religião.
“Tivemos quatro assassinatos bárbaros em um período de dois meses”, relatou a mabeto (mãe de santo) Nagentu, representante do candomblé angola, que viajou de Belém a Brasília para apresentar o posicionamento de sua comunidade.
Mais de 70% dos casos de intolerância no Rio atingem religiões afro-brasileiras
Das cerca de mil denúncias de intolerância religiosa registradas no Rio de Janeiro nos últimos quatro anos, mais de 70% foram de crimes praticados contra religiões de matriz africana.
A Intolerância Religiosa e a Lei
Os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional são punidos nos termos da Lei.7716/89 sendo o praticante condenado com penas que vão de multa, prestação de serviços a comunidade a reclusão . Acesse a lei: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7716compilado.htm
Como agir?
No caso de discriminação religiosa, a vítima deve ligar para a Central de Denúncias (Disque 100) da Secretaria de Direitos Humanos.
Também deve procurar uma delegacia de polícia e registrar a ocorrência. O delegado tem o dever de instaurar inquérito, colher provas e enviar o relatório para o Judiciário. A partir daí terá início o processo penal.
Em caso de agressão física, a vítima não deve limpar ferimentos nem trocar de roupas — já que esses fatores constituem provas da agressão — e precisa exigir a realização de exame de corpo de delito.
Se a ofensa ocorrer em templos, terreiros, na casa da vítima, o local deve ser deixado da maneira como ficou para facilitar e legitimar a investigação das autoridades competentes.
Todos os tipos de delegacia têm o dever de averiguar casos dessa natureza, mas em alguns estados há também delegacias especializadas, a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância.
Fonte: EBC