É o primeiro caso de condenação penal por perseguição a opositores durante ditadura militar. Justiça Federal entendeu que sequestro é crime permanente e não prescreveu desde 1971, quando vítima desapareceu.
A Justiça Federal de São Paulo condenou um ex-delegado da Polícia Civil de São Paulo, que atuou no Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Deops-SP) durante o regime militar.
O delegado aposentado Carlos Alberto Augusto, conhecido como “Carlinhos Metralha”, foi condenado a 2 anos e 11 meses de prisão, em regime semiaberto. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), é a “primeira condenação penal contra um ex-agente da ditadura” – ele atuava no Dops. Por ser decisão de primeira instância (9ª Vara Criminal Federal de São Paulo), ele pode recorrer em liberdade.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), Carlos Alberto Augusto é o primeiro réu a ser condenado na esfera penal por atuar na perseguição a opositores do regime militar.
No processo, a defesa do ex-delegado pediu a absolvição do acusado, alegando que o fato não ocorreu e que, mesmo que tivesse ocorrido, não é crime, pois o ex-delegado não tinha a intenção de participar de nenhum suposto desaparecimento.
Na sentença, a Justiça Federal reconheceu a responsabilidade do ex-delegado, afirmando que há documentos e testemunhas que provam que ele participou da prisão do ex-fuzileiro desaparecido.
“Há provas mais do que suficientes no sentido de que o acusado Carlos Augusto participou da prisão da vítima e atuava em pelo menos um dos locais onde se encontrava detida ilegalmente”, destacou o juiz federal Silvio César Arouck Gemaque, autor da sentença.
Para o juiz, a ação contra o ex-fuzileiro ocorreu no contexto de um “sistema de terror” implantado pelo estado, que “prendia sem mandado, sequestrava, torturava, desaparecia e matava pessoas por suas posições políticas”.
Até 2015, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do Destacamento de Operações de Informações do II Exército (DOI-Codi) em São Paulo, também respondia pelo crime contra Duarte, mas deixou ser réu na ação após sua morte.
O mesmo ocorreu com o ex-delegado Alcides Singillo, que morreu em 2019 e, por isso, foi excluído do rol de acusados. O caso teve ainda a participação de outras pessoas que, em 2012, quando o MPF ofereceu a denúncia, permaneciam não identificadas ou também já haviam morrido, entre elas o ex-delegado Sérgio Paranhos Fleury.
O MPF afirmou, durante o processo, que o desaparecimento de Duarte se enquadrava na categoria de crimes contra a humanidade, “uma vez que ocorreu no contexto do ataque sistemático e generalizado que o Estado empreendeu contra a população brasileira durante a ditadura militar”.
“Não cabe anistia aos autores do delito. O Brasil já foi condenado duas vezes pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por deixar de investigar e punir os agentes envolvidos em crimes políticos cometidos no período.”
Sequestro de Edgar de Aquino Duarte
A promotoria afirma que Duarte foi preso no dia 13 de junho de 1971 sem nenhuma ordem judicial que embasasse a ação. Segundo o MFP, ele trabalhava, à época, como corretor da Bolsa de Valores de São Paulo e já não tinha nenhum vínculo com grupos de oposição à ditadura. Expulso da Marinha em 1964 em decorrência do Ato Institucional nº 1, ele havia deixado a militância política desde que retornara do exílio, em 1968.
O ex-fuzileiro naval teria entrado no radar das autoridades após ter seu nome citado no depoimento de José Anselmo dos Santos. Preso dias antes de Duarte, o Cabo Anselmo hospedava-se no apartamento do ex-colega de Marinha e viria a se tornar um agente infiltrado dos órgãos de repressão, sob supervisão de Carlos Alberto Augusto.
Neste período, a vítima teria sido sucessivamente transferida entre a unidade comandada por Ustra e o Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops/SP), onde Augusto e Singillo integravam a equipe de Fleury. Duarte foi visto por testemunhas pela última vez em junho de 1973.
Sem provas ou registro de seu óbito nem informações sobre seu paradeiro, o ex-oficial da Marinha permanece formalmente sequestrado até hoje.
Comissão Nacional da Verdade
A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012. A CNV tem por finalidade apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. Conheça abaixo a lei que criou a Comissão da Verdade e outros documentos-base sobre o colegiado. Em dezembro de 2013, o mandato da CNV foi prorrogado até dezembro de 2014 pela medida provisória nº 632.