A 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Marília a indenizar paciente que foi presa em flagrante por suposto aborto após médicos informarem à polícia. A reparação foi fixada em R$ 5 mil.

Mulher Procura Atendimento e é Denunciada a Policia Pelos Médicos

A mulher compareceu ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Marília (autarquia municipal), sentindo fortes dores de baixo do ventre, com febre e taquicardia, porém, ao ser atendida pelos médicos, estes suspeitaram que a mesma tivesse cometido crime de aborto após gravidez de 38 semanas.

Os médicos comunicaram o fato à polícia. A paciente foi presa em flagrante, sendo colocada em liberdade por decisão da Justiça no dia seguinte.

Em função dos fatos a paciente ajuizou ação de dano moral contra a Faculdade de Medicina de Marília FAMEMA e os médicos Giancarlo Diego Pantaroto Perez, Paulo Roberto Teixeira Michelone e Mireli Fernanda Beline pela quebra de sigilo médico que teria ocasionado sua prisão em flagrante por suposto crime de aborto e, consequentemente a publicação em jornal local de matéria envolvendo a autora vinculando-a ao crime de aborto.

O Julgamento: Violação do Dever de Sigilo Profissional e Dano Moral

Em juízo de primeiro grau a ação foi julgada improcedente por entender o magistrado que “sempre que a defesa da vida, em todas as suas formas, se ponha em rota de colisão com o sigilo das informações recebidas no contexto da relação médico/paciente, este último dever médico deve ceder passo”.

Inconformada com a decisão a autora da ação interpôs recurso de apelação ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

Decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo

No Tribunal paulista o relator, desembargador Mauricio Fiorito se manifestou nos seguintes termos:

“De início, esclareço que não há que se falar em dano moral pela lavratura do auto de prisão, porque a decisão de prisão foi tomada por policial civil, conforme auto de fls. 32/36, ou seja, por servidor público que atua em nome do Estado de São Paulo, que não constou no polo passivo desta ação.

A discussão se aborto teria ocorrido ou não também não pode pesar no julgamento desta lide, tendo em vista que o ato contra qual a autora fundamenta seu pedido de indenização é a quebra de sigilo profissional apenas.

Assim, resta tão somente analisar se houve a alegada ilegal quebra de sigilo profissional pelos representantes da requerida e se esta quebra ensejaria em indenização por dano moral em favor da autora.

Pois bem.

O sigilo profissional a fim de resguardar o paciente de constrangimento público das informações que presta e de seu estado de saúde particular está previsto no art. 73 do Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1.931/2009) na seguinte redação:

Capítulo IX Sigilo Profissional

É vedado ao médico:

Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.

Parágrafo único. Permanece essa proibição:

a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido;

b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento;

c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal.

Denota-se, portanto, que o disposto acima proíbe o médico de conceder informações pessoais de paciente que obteve em virtude do exercício profissional que possam ocasionar investigação de suspeita de crime ou expor o paciente a processo penal.

No caso dos autos, há prova inequívoca da comunicação dos médicos das informações pessoais da autora à autoridade policial, de tal modo que os representantes da requerida, inclusive ,depuseram como testemunhas do crime de aborto no auto de prisão em flagrante de fls. 32/36, informando que encontraram duas pílulas abortivas no órgão sexual da autora e que esta disse a elesque tomou os remédios com intenção de abortar.

….

Além disso, o fato foi noticiado em jornal local na mesma semana do ocorrido (fl. 230 – Jornal da Manhã 30/09/2014), tendo sido exposto ao público o conteúdo do auto de prisão, que, por sua vez,continha as informações relatadas pelos médicos.

A conduta dos representantes da ré, portanto, destoou do dever profissional destes, sendo, portanto, ilícita. Reforça a tese de ilicitude do ato praticado o fato de sequer ser admitido como prova o depoimento de médico em violação do dever de sigilo profissional”.

Em síntese, segundo o magistrado destacou que o Código de Ética Médica veda a revelação de informações pessoais de paciente obtidas em virtude do exercício profissional que possam ocasionar investigação de suspeita de crime ou expor o paciente a processo penal.

Em consequência o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Marília foi condenado a reparação por danos morais no valor de R$ 5 mil.

Os médicos não foram condenados, pois foram excluídos da ação por decisão judicial eis que, conforme o TJSP “a responsabilidade recai sobre a pessoa jurídica prestadora de serviço público, sendo que seus representantes somente responderão por meio de ação regressiva”.

A decisão foi unânime.

Acesse a integra da decisão do TJSP: Acordao_TJSP

Processo nº 1017294-93.2017.8.26.0344 – TJSP