Para autores do pedido, há fatos jurídicos o suficiente; para quem defende Dilma Rousseff, nenhum fato jurídico existe

A comissão especial do impeachment deve votar na segunda-feira 11 o relatório do deputado Jovair Arantes (PTB-GO), que deu parecer favorável ao afastamento da presidenta Dilma Rousseff.

Em seu parecer de 128 páginas, Arantes afirma que a denúncia assinada pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal “preenche todas as condições jurídicas e políticas relativas à sua admissibilidade”. Para passar na comissão especial, o relatório precisa ser aprovado por 33 dos 65 deputados. Se tiver essa maioria, seguirá para votação no plenário.

Após a explanação de Arantes, o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, disse que o relatório é “viciado” e “ofende dispositivos da Constituição”. Cardozo também criticou o relator por não ter se posicionado quanto aos argumentos apresentados pela defesa de Dilma, de que a denúncia foi acolhida pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por “vingança pessoal”.

A defesa de Dilma já havia sido apresentada por Cardozo à comissão na segunda-feira 4, e, na ocasião, o AGU disse que o pedido de impeachment pode ser configurado como “golpe”. “É fato que está na Constituição. Mas, se esses pressupostos não forem atendidos, se não houver um atentado à Constituição, um ato imputado à presidenta, uma ação dolosa, se essa ação não for tipificada, a tentativa de impeachment é golpe de Estado, sim”, disse Cardozo.

Dessa forma, dois aspectos são, aparentemente, pontos pacíficos:

1) Impeachment é um processo previsto na Constituição;

2) Para ser legítimo, o impeachment precisa ter um fato jurídico que o justifique.

Aqui começam as diferenças. Para os autores do pedido de impeachment, há fatos jurídicos abundantes. Para quem defende Dilma, nenhum fato jurídico existe.

Caso a denúncia chegue ao plenário da Câmara, a decisão adentra a seara política. Serão necessários pelo menos 342 votos dentre os 513 deputados para que a abertura do processo de afastamento seja autorizada. Se passar, o caso seguirá para o Senado. Conduzidos pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandoski, os senadores é quem vão julgar se a presidenta Dilma cometeu crime de responsabilidade.

Confira os argumentos do pedido de impeachment e o que diz a defesa:

1) Decretos orçamentários

Cunha afirma que aceitou o pedido de impeachment principalmente porque, entre julho e agosto de 2015, Dilma editou seis decretos autorizando o governo a abrir créditos suplementares e, assim, gastar 2,5 bilhões de reais a mais que o previsto no Orçamento.

A denúncia sustenta que o governo editou tais decretos sem autorização prévia do Congresso Nacional e que não poderia criar essa despesa extra porque, na ocasião, já estava claro que a meta de superávit estabelecida em lei (dinheiro destinado a pagar juros da dívida) não seria alcançada.

“Foi necessário baixar decretos não autorizados, abrindo crédito não autorizado, quando já se sabia que o superávit não era real”, disse Janaina Paschoal, uma das autoras da denúncia, ao defender a tese na Câmara, no dia 30 de março.

O que diz a defesa de Dilma:

O governo afirma que os decretos foram legais e que, no final de 2015, o Congresso Nacional aprovou uma mudança na meta fiscal, autorizando um déficit de quase 120 bilhões de reais.

“Antes do final do exercício financeiro de 2015, o Congresso Nacional aprovou o PLN número 5, de 2015, que reduziu a meta primária”, disse o professor de direito tributário Ricardo Lodi Ribeiro, que defendeu o governo no dia 31 de março, na Câmara. Para ele, não há que se falar em meta fiscal estourada porque o Congresso alterou essa meta.

Também escalado para defender Dilma Rousseff, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, disse que os créditos não aumentaram os gastos do governo, apenas remanejaram alguns gastos. Segundo ele, tal medida não alterou o orçamento aprovado pelo Congresso e, por isso, não foi preciso autorização prévia.

2) Pedaladas fiscais

Ao aceitar o pedido de impeachment, Cunha também citou as chamadas “pedaladas fiscais”, manobras contábeis que consistem em atrasar pagamentos do Tesouro a bancos públicos. Como fatos de mandatos passados não podem ser apreciados no processo de impeachment, as “pedaladas” ocorridas em 2014 foram afastadas por Cunha, que acatou apenas os casos de 2015.

De acordo com o jurista Miguel Reale Júnior, que também assina a denúncia, essas manobras configuram empréstimo dos bancos públicos ao tesouro, o que é ilegal. “São operações de crédito que se confundem com aquilo que pode se chamar de fluxo de caixa e que pode ter ocorrido no governo Fernando Henrique e no governo Luiz Inácio Lula da Silva, mas que neste governo, seja em 2014, seja em 2015, alcançaram volumes extraordinários por longo tempo”, disse Reale Júnior à Câmara.

O que diz a defesa de Dilma:

O governo refuta a ideia de empréstimo e afirma que as chamadas pedaladas fiscais são, na verdade, um contrato de prestação de serviços.

“Uma das principais ações do governo federal consiste em transferência de renda: Previdência Social, seguro desemprego, Bolsa Família, bônus salarial e outras. Como essas transferências são realizadas? O governo faz um contrato de prestação de serviços com o agente financeiro público e tem uma programação de quanto vai ser o desembolso de cada mês. Em determinado mês, pode ocorrer que o valor que tem de ser transferido para a população não é exatamente igual ao valor que o governo transferiu para o agente financeiro”, disse o ministro Barbosa.

3) Corrupção na Petrobras

Os autores do pedido afirmam que Dilma não tomou medidas necessárias para evitar desvios de dinheiro público na Petrobras, esquema investigado pela Operação Lava Jato, visto que os envolvidos eram pessoas próximas a ela. Ao aceitar a denúncia, Cunha descartou tais argumentos dizendo que são embasados em “ilações e suposições”.

Ao defender seu pedido na Câmara, Janaina Paschoal disse que a “omissão” da presidenta não pode ser descartada. “Isso está na denúncia e eu não abro mão dessa parte porque entendo que isso tudo faz parte de um conjunto”, afirmou a advogada.

O que diz a defesa de Dilma:

Em defesa apresentada na segunda-feira 4, o advogado-geral da União José Eduardo Cardozo,  disse que o processo de impeachment deve se limitar a duas acusações, ambas limitadas a 2015: decretos orçamentários e pedaladas fiscais.

Segundo Cardozo, o governo irá à Justiça contra qualquer tentativa de incluir novos pontos à denúncia acatada por Cunha, como o escândalo na Petrobras.

Fonte: Carta Capital