Por seis votos a cinco, o Plenário Supremo Tribunal Federal manteve com a Justiça Eleitoral a competência para julgar crimes conexos aos eleitorais. Venceu o voto do relator, ministro Marco Aurélio, segundo o qual a competência da Justiça especializada se sobrepõe sobre a da comum. No caso da Eleitoral, é ela quem deve decidir se os inquéritos e processos devem ser desmembrados ou não.

Ministro Marco Aurélio

O Casdo

A matéria foi apreciada no julgamento de recurso (agravo regimental) interposto pela defesa do ex-prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes e do deputado federal Pedro Paulo (DEM-RJ) no Inquérito (INQ) 4435, no qual são investigados por fatos supostamente ocorridos em 2010, 2012 e 2014.

O agravo foi apresentado contra decisão do relator, ministro Marco Aurélio, que havia declinado da competência para a Justiça do Estado do Rio de Janeiro por entender que os delitos investigados não teriam relação com o mandato de deputado federal. Contra essa decisão monocrática, a defesa interpôs o recurso que foi remetido pela Primeira Turma do STF ao Plenário.

No agravo, os investigados pediram a manutenção da investigação no STF, tendo em vista que Pedro Paulo ocupava na época da maior parte dos fatos o cargo de deputado federal. Caso o processo não fosse mantido na jurisdição do STF, requereram o encaminhamento do caso à Justiça Eleitoral fluminense.

O Julgamento

O ministro definiu a ementa de pronto, do Plenário: “Compete à justiça eleitoral julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos”. E avisou que, como redator do acórdão, não faria “uma ementa quilométrica”.

Marco Aurélio foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli, último a votar. Para eles, a questão é bastante clara, sem margem para dúvidas: o artigo 109, inciso IV, da Constituição diz que a Justiça Federal julga causas de interesse da União, “ressalvada a competência da Justiça Eleitoral e da Justiça Militar”. E o Código Eleitoral diz, no inciso II do artigo 35, que o juiz eleitoral deve julgar os crimes eleitorais e os “comuns que lhe são conexos”.

Divergiram do relator os ministros Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia. O julgamento começou na quarta-feira (13/3), com os votos do relator e dos ministros Alexandre e Fachin.

Contradizer o texto claro da Constituição e do Código Eleitoral era uma demanda da “lava jato”. Para os procuradores da operação, apoiados pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, “transferir” a competência para a Justiça Eleitoral prejudicaria o combate à corrupção no Brasil — embora a Constituição já diga que o sistema funciona assim desde que foi promulgada.

Ministro Gilmar Mendes

Ao votar, o ministro Gilmar Mendes criticou de forma veemente a postura dos integrantes da “lava jato”. “Se estudaram em Harvard, não sabem nada. São uns cretinos. Não sabem o que é processo civilizatório. Não sabem o que é processo. Até porque quem trabalha em processo não se apaixona pelo processo”, disse. “Oxalá tivessem estudado em Pouso Alegre.”

Gilmar também lembrou que a competência da Justiça Eleitoral foi mantida intacta em todas as constituições brasileiras. Quando votou, Celso de Mello lembrou que a Constituição de 1937, a do Estado Novo, foi a única a mudar o sistema. “E por motivos óbvios: ditaduras não convivem com a Justiça Eleitoral”, disse.

“Mudança de entendimento”
As decisões mais recentes do Supremo sobre o assunto foram da 2ª Turma — que manteve a competência com a Justiça Eleitoral, conforme manda o Código Eleitoral. Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, foi a turma quem mudou a jurisprudência do tribunal.

Gilmar chamou a afirmação de mentirosa: “O tribunal sempre assim o decidiu”.

Lewandowski completou: “Para mim, essa matéria está tão clara, que se não o fosse não haveria necessidade de um projeto de lei do Ministério da Justiça, justamente com o objetivo de cindir esta linha”.

A transferência da competência dos crimes comuns conexos aos eleitorais à Justiça Federal foi proposta por Sergio Moro no seu “pacote anticrime”. O projeto pretendia mudar justamente o inciso II do artigo 35 do Código Eleitoral.

Constituição e lei

O ministro Celso de Mello, decano, deixou claro que seu voto seria a reiteração da posição que sempre defendeu, de manter a competência da Justiça Eleitoral como está.

É na Constituição e na lei, e não na busca pragmática de resultados, independente de meios, que se deve promover o justo e o equilíbrio na tensão entre o princípio da autoridade de um lado e o valor de outro. O que se revela intolerável e não tem sentido é por divorciar-se do rule of law de que o respeito pela autoridade da Constituição e das leis possa traduzir frustração do processo penal”.

Inq 4.435

Leia o resultado proclamado:

Por maioria, o Supremo Tribunal Federal manteve a sua jurisprudência ao dar, na forma do voto do relator, no que foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli, parcial provimento ao agravo interposto pelos investigados para, no tocante ao fato ocorrido em 2014, reconsiderar a decisão recorrida e assentar a competência do Supremo Tribunal Federal. Quanto aos delitos supostamente cometidos 2010 e 2012, declinar da competência para a justiça eleitoral do Estado do Rio de Janeiro, prejudicado o agravo regimental interposto pela PGR no que voltado à fixação da competência, relativamente ao delito de evasão de divisas, da justiça federal. Vencidos os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia que davam parcial provimento aos agravos regimentais interpostos pela PGR e pelos investigados para cindir os fatos apurados neste inquérito, determinando a remessa de cópia dos autos à justiça eleitoral do Estado Rio de Janeiro para apuração, mediante livre distribuição, dos supostos crimes de falsidade ideológica eleitoral ocorridos nos anos de 2010, 2012 e 2014 e o encaminhamento dos autos à Seção Judiciária do Rio de Janeiro para apuração, mediante livre distribuição, dos supostos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas ocorridos no ano de 2012.

Quanto à proclamação, a ministra Rosa Weber disse que, com relação aos fatos de 2014 (falsidade ideológica eleitoral), a divergência reconhece a competência da justiça eleitoral.