A presidenta Dilma Rousseff ganhou o direito de resposta na Justiça Cível de Brasília, em ação movida pela Advocacia-Geral da União, contra a revista IstoÉ, semanal publicada pela Editora Três. Trata-se da primeira vitória da presidenta Dilma contra IstoÉ que, em 1º de abril deste ano, deu capa para a reportagem “Uma presidente fora de si”, assinada por Débora Bergamasco e Sérgio Pardellas. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios a condenou IstoÉ no processo de n. 2016.01.1.048516-3, Décima Oitava Vara Cível De Brasília.
A revista ainda publicou, na mesma edição, o editorial “Hora da xepa no Planalto”, em que consta que a presidenta teria transformado o Planalto “numa casa de tolerância”, e que “a mandatária já havia transferido informalmente suas funções ao padrinho investigado Lula”. A revista terá de conceder o mesmo destaque, espaço, diagramação e publicidade, conforme o dispositivo da Lei 13.188/15.
“Sem prejuízo do direito inalienável à opinião e à crítica, quando a imprensa divulga, em seu espaço destinado a notícias, informações fidedignas e previamente verificadas, presta um serviço fundamental à democracia e à cidadania. No entanto, quando distorce ou inventa fatos e ofende pessoalmente aqueles que acusa, incorre em crime contra a honra e, no limite, contra o Estado Democrático de Direito”, afirma a presidenta Dilma Rousseff.
“É o que julgo ter acontecido com a ‘reportagem’ veiculada pela revista IstoÉ, em sua edição que veio a público no dia 1º de abril de 2016. Utilizo aspas na palavra reportagem porque entendo que aquilo que foi publicado é menos do que isso. O texto, a edição e a escolha das fotos revelam uma estória falsa, eivada de agressões misóginas e machistas”, critica a presidenta.
“A ‘reportagem’ de capa desta revista me ofende, sem dúvida, por me atribuir comportamento que não condiz com minha atitude pessoal e meu temperamento. Insulta a figura institucional da Presidência da República. Estende a agressão a todas as mulheres brasileiras, guerreiras que, no seu dia a dia, enfrentam duras batalhas, muitas vezes em jornadas de trabalho duplicadas pela necessidade de cuidar da família e dos filhos, em busca de sua autonomia e de seu justo espaço na sociedade”, afirma Dilma Rousseff.
A juíza Tatiana Dias da Silva, da 18ª Vara Cível de Brasília, deu ganho de causa à presidenta Dilma Rousseff, reconhecendo o direito de resposta que a revista será obrigada a conceder. “O direito de resposta é garantido constitucionalmente no art. 5º, V: ‘é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem’”, destacou a juíza.
Na sentença, a juíza Tatiana Dias da Silva destaca que embora o alvo de IstoÉ seja a presidenta da República, isso “não autoriza qualquer meio de comunicação a divulgar deliberadamente quaisquer informações escondendo-se sob o manto do direito de informação, uma vez que tal direito tem que ser guiado pela veracidade do conteúdo publicado”. Segundo a juíza, “o direito de resposta é pautado tanto pela ampla defesa quanto pelo direito público à informação verídica”.
Os advogados da presidenta pretendem mover outras ações contra a revista IstoÉ, por novas publicações consideradas ofensivas contra a honra de Dilma e da família Rousseff, que foram alvo de duas outras reportagens publicadas em julho sobre supostas mordomias. Segundo a revista, a família de Dilma Rousseff teria recebido ilegalmente segurança e carros, no que consistira um abuso.
Na realidade, o dispositivo de segurança extensivo à família da presidenta e do vice-presidente da República é uma exigência da lei. Por conta dessas duas últimas reportagens, IstoÉ será processada cível e criminalmente por ofensa, infâmia e calúnia, infâmia, ofensa e calúnia.
INTEGRA DA SENTENÇA
Trata-se de ação de conhecimento ajuizada por DILMA VANA ROUSSEFF em desfavor de REVISTA ISTOÉ, estando as partes devidamente qualificadas.
Narra a parte autora que a requerida, na edição nº 2417, de 1º de abril de 2016, publicou matéria intitulada “UMA PRESIDENTE FORA DE SI”, assinada por Sérgio Pardellas e Débora Bergamasco, bem como editorial “HORA DA XEPA NO PLANALTO”.
Explicita que, na matéria há menção de que a presidente perdeu o equilíbrio e as condições emocionais para conduzir o país, bem como que ela teria sido dominada por sucessivas explosões nervosas e que ela teria avariado um móvel de seu gabinete após emitir uma série de xingamentos, além de aduzir que ela pretendia, à época, manter-se no poder a qualquer custo com o objetivo de punir os seus inimigos.
Complementa expondo que, do editorial, consta que a presidente transformou o Planalto numa casa de tolerância, que “a mandatária já havia transferido informalmente suas funções ao padrinho investigado Lula.”
Em razão disso, requereu a antecipação dos efeitos da tutela para determinar a publicação da resposta da autora, conforme texto anexo, na próxima edição da revista ISTOE, bem como em mídia eletrônica, utilizando-se o mesmo espaço, destaque e a diagramação utilizada pela ré.
No mérito, requer a confirmação da decisão antecipatória da tutela, garantindo-se o direito constitucional de resposta da autora, com a final condenação da ré nos ônus de sucumbência e demais consectários legais.
Procuração, documentos e comprovante de recolhimento de custas às fls. 19/43. Emenda às fls. 48/49.
O pedido de tutela antecipada foi indeferido à fl. 51.
Regularmente citada a parte ré apresentou a peça de justificativa prevista no art. 6º, I, Lei nº 13.188/15 às fls. 54/62, bem como contestação e documentos às fls. 142/136. Na primeira, suscitou defeito de representação processual, ausência de interesse de agir e inépcia da inicial; no mérito sustenta não ter qualquer conteúdo injurioso ou falacioso no texto ora combatido. Na segunda (contestação), a parte repete as questões preliminares e, no mérito, aduz ser o meio utilizado pela parte autora inadequado uma vez impossível qualquer interpretação preconceituosa ou sexista.
Apesar de intimada, a parte autora não se manifestou em réplica – certidão de fl. 146.
É O RELATÓRIO. DECIDO.
Promovo o julgamento antecipado do feito, nos moldes do art. 355, I, CPC c/c art. 9º da Lei nº 13.188/15.
Previamente à análise do mérito, enfrento as preliminares aventadas pela parte requerida.
PRELIMINARES
a) Representação Processual
Primeiramente, sustenta a parte requerida defeito na representação processual da parte autora, a qual deveria constituir advogado particular.
Não merece prosperar a alegação.
Embora a função precípua da Advocacia Geral da União seja a de representar a pessoa de direito público – União – em juízo, esta também tem funções excepcionais relacionadas aos ocupantes de alguns cargos.
Isso se deve ao disposto no art. 22 da Lei nº 9.028/95, que dispõe sobre o exercício das atribuições institucionais da Advocacia-Geral da União, produto de conversão de medida provisória, in verbis:
“A Advocacia-Geral da União e os seus órgãos vinculados, nas respectivas áreas de atuação, ficam autorizados a representar judicialmente os titulares e os membros dos Poderes da República, das Instituições Federais referidas no Título IV, Capítulo IV, da Constituição, bem como os titulares dos Ministérios e demais órgãos da Presidência da República, de autarquias e fundações públicas federais, e de cargos de natureza especial, de direção e assessoramento superiores e daqueles efetivos, inclusive promovendo ação penal privada ou representando perante o Ministério Público, quando vítimas de crime, quanto a atos praticados no exercício de suas atribuições constitucionais, legais ou regulamentares, no interesse público, especialmente da União, suas respectivas autarquias e fundações, ou das Instituições mencionadas, podendo, ainda, quanto aos mesmos atos, impetrar habeas corpus e mandado de segurança em defesa dos agentes públicos de que trata este artigo (Redação dada pela Lei nº 9.649, de 1998) (Vide Medida Provisória nº 2.216-37, de 2001)”
Interessante ressaltar que a função consultiva mais ampla da AGU também encontra previsão no art. 4º, VII, Lei Complementar nº 73, Lei Orgânica da Advocacia Geral da União.
Nesse giro, não há que se falar em defeito na representação processual da autora.
Ademais, aproveito o ensejo para esclarecer que não há qualquer interesse da União na presente demanda, não havendo o preenchimento de qualquer das hipóteses do art. 109, razão pela qual a Justiça Estadual é a competente, não havendo que se falar de vício a esse respeito.
b) Carência de ação: ausência do interesse de agir
Suscita a parte requerida carência de ação por ausência de interesse de agir aduzindo não haver comprovação de encaminhamento ou recebimento do pedido de direito de resposta.
Não merece ser acolhida a preliminar.
A doutrina ensina que:
“A primeira condição da ação é o interesse de agir, que não se confunde com o interesse substancial, ou primário, para cuja proteção se intenta a mesma ação. O interesse de agir, que é secundário, surge da necessidade de obter por meio do processo a proteção ao interesse substancial. (…) Localiza-se o interesse processual não apenas na utilidade, mas especificamente na necessidade do processo como remédio apto à aplicação do direito objetivo no caso concreto, pois a tutela jurisdicional não é jamais outorgada sem uma necessidade. (…) É preciso sempre ‘que o pedido apresentado ao juiz traduza formulação adequada à satisfação do interesse contrariado, não atendido, ou tornado incerto’. (…) O interesse processual, em suma, exige a conjugação do binômio necessidade e adequação, cuja presença cumulativa é sempre indispensável para franquear à parte a obtenção da sentença de mérito”. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 56ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2015. Páginas 160/161).
No caso em apreço, além de haver comprovação do pedido administrativo relacionado ao direito de resposta com o ofício de fls. 30/38, há demonstração do respectivo recebimento por meio do carimbo de fl. 30.
c) Inépcia da inicial
Não há como acolher a preliminar de inépcia da inicial suscitada, uma vez que a petição deve ser considerada inepta quando lhe faltar pedido ou causa de pedir, quando da narração dos fatos não decorre logicamente a conclusão, quando o pedido for juridicamente impossível ou quando contiver pedidos incompatíveis entre si, conforme se depreende da leitura do artigo 330 do Código de Processo Civil.
Entretanto, compulsando os autos observo que nenhum desses requisitos se encontra presente. Ademais, não existiu qualquer óbice para a defesa da parte ré, tanto que a defesa impugnou regularmente todas as questões apresentadas, bem como não há defeitos que impeçam o julgamento do mérito da causa.
Vencida, desse modo, as preliminares e presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, passo ao exame do mérito.
– MÉRITO
Trata-se de pedido de publicação de resposta decorrentes de publicações ofensivas na revista requerida em sua edição nº 2417, de 1º de abril de 2016, intitulada “Uma presidente fora de si”, bem como “Hora da xepa no Planalto”.
Inicialmente verifico que a ação para o exercício do direito de resposta foi ajuizada no prazo decadencial de 60 dias contados da data da divulgação (art. 3º, Lei nº 13.188/15), o que foi feito por correspondência oficial em 07/04/2016 (fl. 30), bem como por meio do ajuizamento da presente demanda em 28/04/2016 (fl. 02), com relação às publicações realizada em 01/04/2016.
O direito de resposta é garantido constitucionalmente no art. 5º, V: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. O mesmo direito é regulamentado pela Lei nº 13.188/15, que assegura o direito de resposta ou retificação, gratuito e proporcional ao agravo ao ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social (art. 2º, caput, Lei nº 13.188/15). A mesma lei regulamenta o exercício do direito de resposta e considera como matéria: “qualquer reportagem, nota ou notícia divulgada por veículo de comunicação social, independentemente do meio ou da plataforma de distribuição, publicação ou transmissão que utilize, cujo conteúdo atente, ainda que por equívoco de informação, contra a honra, a intimidade, a reputação, o conceito, o nome, a marca ou a imagem de pessoa física ou jurídica identificada ou passível de identificação” (art. 2, § 1º, Lei nº 13.188/15).
Quanto ao dispositivo constitucional comentado aduz a jurisprudência do Eg. TJDFT:
“A exata compreensão do dispositivo constitucional – norma constitucional de eficácia plena e de aplicabilidade imediata – pode ser aclarada a partir da doutrina de Duchacek quando pondera que “a proteção jurídica ao direito de resposta permite, nele, identificar uma dupla vocação constitucional, pois visa a preservar tanto os direitos da personalidade quanto assegurar, a todos, o exercício do direito à informação exata e precisa” (DUCHACEK, Ivo D. Derechos y libertades en el mundo actual. Trad. Octavio Monserrat Zapater, Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1976).
É de se ressaltar, inicialmente, a advertência dos doutrinadores Caio Cezar Maia de Oliveira, Carolina Teodoro Falleiros, João Múcio Amado Mendes. Após analisar diversas decisões judiciais e constatar que mesmo quando da vigência da Lei de Imprensa a concretização do direito de resposta era marcada por um elevado grau de incerteza, dadas as significativas divergências interpretativas entre os julgadores, apontam, por exemplo, “um cenário de grave incerteza em relação ao adequado exercício desse direito no Brasil” (OLIVEIRA, Caio Cezar Maia de; FALLEIROS, Carolina Teodoro; e MENDES, João Múcio Amado. “O direito de resposta e a necessidade de regulamentação adequada no Brasil”. Revista de direito das comunicações. v. 3, n. 5, p. 113-186, jan./jun. 2012).
Contudo, é certo que o direito de resposta tem sido proclamado pela doutrina como ínsito ao Estado Democrático de Direito, corolário imediato do direito de informar e de ser informado.
(Acórdão n.912964, 20140111975962APC, Relator: FLAVIO RENATO JAQUET ROSTIROLA, Revisor: GILBERTO PEREIRA DE OLIVEIRA, 3ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 16/12/2015, Publicado no DJE: 29/01/2016. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
Ainda, da análise do conteúdo das matérias objeto da presente demanda, entendo ser claro o direito de resposta da autora, tendo em vista as colocações acerca das condições psicológicas e comportamento da demandante nos dias que antecederam julgamento importante com relação ao seu mandato.
Todavia, ser o objeto de publicação a pessoa ocupante da Presidência da República não autoriza qualquer meio de comunicação a divulgar deliberadamente quaisquer informações escondendo-se sob o manto do direito de informação, uma vez que tal direito tem que ser guiado pela veracidade do conteúdo publicado. O direito de resposta é pautado tanto pela ampla defesa quanto pelo direito público à informação verídica, conforme trecho supratranscrito.
Importante frisar que não há que se falar em qualquer dificuldade de defesa por parte do réu, tendo em vista a clareza da exposição dos fatos pela parte autora, bem como a obviedade da ofensividade do conteúdo publicado.
Se nega a requerida a reconhecer o direito de resposta da requerente confundindo o seu objeto com a ação de indenização, a qual, segundo dispositivo expresso de lei, deve ser ajuizada em separado – art. 12, Lei nº 13.188/15: “os pedidos de reparação ou indenização por danos morais, materiais ou à imagem serão deduzidos em ação própria, salvo se o autor, desistindo expressamente da tutela específica de que trata esta Lei, os requerer, caso em que o processo seguirá pelo rito ordinário”.
Desse modo, entendo devidamente delineada a necessidade do direito de resposta, o qual deverá ser exercido nos termos da lei especial:
Art. 4o A resposta ou retificação atenderá, quanto à forma e à duração, ao seguinte:
I – praticado o agravo em mídia escrita ou na internet, terá a resposta ou retificação o destaque, a publicidade, a periodicidade e a dimensão da matéria que a ensejou; (…)
Na delimitação do agravo, deverá ser considerado o contexto da informação ou matéria que gerou a ofensa.
Por conseguinte, é imperativa a procedência do pedido autoral.
– DISPOSITIVO
Ante o exposto, julgo procedente o pedido deduzido na inicial e condeno o réu a publicar a resposta de fl. 39/40, com o mesmo espaço, destaque, diagramação, publicidade e dimensão das matérias que a ensejaram a presente ação, a qual deve ser realizada na próxima edição da revista, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 de R$ 20.000,00.
Diante da sucumbência condeno o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono do autor, que fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), nos termos do artigo 85, §§ 2º e 8º do CPC.
Julgo o processo, com resolução do mérito, nos moldes do artigo 487, inciso I, do CPC.
Após o trânsito em julgado e cumprimento da sentença, dê-se baixa e arquivem-se os autos.
Sentença registrada eletronicamente nesta data.
Publique-se e intimem-se.
Brasília – DF, quarta-feira, 06/07/2016 às 14h47.
Tatiana Dias da Silva Juíza de Direito