A partir de 27 de dezembro, comerciantes podem oficialmente cobrar preços diferentes para compras feitas em dinheiro, cartão de débito ou cartão de crédito. A prática passou a ser liberada pela Medida Provisória 764/2016, a 12ª assinada em dezembro pelo presidente Michel Temer (PMDB).
O texto vale para bens e serviços, anulando inclusive qualquer cláusula contratual que proíba ou restrinja a diferenciação de preços.
A MP tem força de lei durante 120 dias e, para continuar válida depois, precisa ser aprovada pelo Congresso. Com informações da Agência Brasil. Veja abaixo a integra da MP 764/2016.
Projeto de Cobrança Diferenciada Havia Sido Retirado da Pauta da Câmara Federal
Em 2014, o Senado aprovou um projeto que permite cobrar preços diferentes em dinheiro ou cartão. O projeto foi enviado à Câmara, mas foi retirado da pauta depois que o relator da Comissão de Defesa do Consumidor (CDC) recomendou a rejeição do projeto. Na ocasião, entidades de defesa do consumidor enviaram um manifesto enviado ao Senado para tentar impedir que o projeto se transformasse em lei.
MP de Temer Contrária Decisão do STJ
A norma segue sentido contrário ao que a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça definiu em 2015, quando rejeitou pedido que tentava impedir o Procon de Minas Gerais de aplicar penalidades a empresas pela cobrança diferenciada (EREsp 1.479.039).
O relator, ministro Humberto Martins, afirmou na época que a Lei 12.529/2011 (sobre o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência) considera infração à ordem econômica a discriminação de clientes com a imposição diferenciada de preços. No acórdão, Martins escreveu que a compra com cartão de crédito também é considerada modalidade de pagamento à vista, pois o comerciante tem a garantia do pagamento assim que autorizada a transação.
Na oportunidade, a decisão do STJ foi expressa nos seguintes termos:
CONSUMIDOR E ADMINISTRATIVO. AUTUAÇÃO PELO PROCON. LOJISTAS. DESCONTO PARA PAGAMENTO EM DINHEIRO OU CHEQUE EM DETRIMENTO DO PAGAMENTO EM CARTÃO DE CRÉDITO. PRÁTICA ABUSIVA. CARTÃO DE CRÉDITO. MODALIDADE DE PAGAMENTO À VISTA. “PRO SOLUTO”. DESCABIDA QUALQUER DIFERENCIAÇÃO. DIVERGÊNCIA INCOGNOSCÍVEL.
1.O recurso especial insurge-se contra acórdão estadual que negou provimento a pedido da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte no sentido de que o Procon/MG se abstenha de autuar ou aplicar qualquer penalidade aos lojistas pelo fato de não estenderem aos consumidores que pagam em cartão de crédito os descontos eventualmente oferecidos em operações comerciais de bens ou serviços pagos em dinheiro ou cheque.
2.Não há confusão entre as distintas relações jurídicas havidas entre (i) a instituição financeira (emissora) e o titular do cartão de crédito (consumidor); (ii) titular do cartão de crédito (consumidor) e o estabelecimento comercial credenciado (fornecedor); e (iii)a instituição financeira (emissora e, eventualmente, administradora do cartão de crédito) e o estabelecimento comercial credenciado (fornecedor).
3.O estabelecimento comercial credenciado tem a garantia do pagamento efetuado pelo consumidor por meio de cartão de credito, pois a administradora assume inteiramente a responsabilidade pelos riscos creditícios, incluindo possíveis fraudes.
4.O pagamento em cartão de crédito, uma vez autorizada a transação, libera o consumidor de qualquer obrigação perante o fornecedor, pois este dará ao consumidor total quitação. Assim, o pagamento por cartão de crédito é modalidade de pagamento à vista, pro soluto, implicando, automaticamente, extinção da obrigação do consumidor perante o fornecedor.
5.A diferenciação entre o pagamento em dinheiro, cheque ou cartão de crédito caracteriza prática abusiva no mercado de consumo, nociva ao equilíbrio contratual. Exegese do art. 39, V e X, do CDC: “Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
(…)
V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
(…)
X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços”.
6.O art. 51 do CDC traz um rol meramente exemplificativo de cláusulas abusivas, num “conceito aberto” que permite o enquadramento de outras abusividades que atentem contra o equilíbrio entre as partes no contrato de consumo, de modo a preservar a boa-fé e a proteção do consumidor.
7.A Lei n. 12.529/2011, que reformula o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, considera infração à ordem econômica, a despeito da existência de culpa ou de ocorrência de efeitos nocivos, a discriminação de adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços mediante imposição diferenciada de preços, bem como a recusa à venda de bens ou à prestação de serviços em condições de pagamento corriqueiras na prática comercial (art. 36, X e XI).
Recurso especial da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte conhecido e improvido. Recurso Especial Nº 1.479.039 – Mg (2014/0223163-4), Relator: Ministro Humberto Martins.
Entidades de Defesa do Consumidor se Manifestam
Em nota Procon-SP afirmou que a diferenciação de preços nos meios de pagamento é considerada abusiva e resulta em vantagem excessiva ao fornecedor. Conforme a entidade, “a Fundação Procon-SP reitera que o pagamento feito com cartões de crédito é considerado à vista e que os lojistas são responsáveis pelo ônus dos serviços contratados e que não podem ser repassados aos consumidores”,
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor alega que cobrar um preço mais alto de quem usa cartão de crédito é uma prática que fere o inciso V do artigo 39 do Código do Consumidor. Esse artigo classifica como prática abusiva exigir do consumidor uma “vantagem manifestamente excessiva”.
Para a associação Proteste, é abusiva a diferenciação de preços em função da forma de pagamento. “Ao aderir a um cartão de crédito o consumidor já paga anuidade, ou tem custos com outras tarifas e paga juros quando entra no rotativo. Por isso, não tem porque pagar mais para utilizá-lo”, declarou a entidade.
Taxas de Juros do Cartão de Crédito
As taxas de juros do cartão de crédito e do cheque especial bateram sucessivos recordes nos últimos meses, de acordo com pesquisa da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac). Em novembro, as duas linhas são as mais caras do crédito pessoal, com juros anuais de respectivamente 459,53% e 313%.
Para 2016, a Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito) prevê um crescimento de 6,5% nas transações com cartões de crédito, que devem somar R$ 1,14 trilhão. No terceiro trimestre, os brasileiros movimentaram R$ 175 bilhões com cartões de crédito, e R$ 108 bilhões com o débito, altas de 4% e 8,4%, respectivamente, em relação ao mesmo período de 2015.
Integra da MP
MEDIDA PROVISÓRIA Nº 764, DE 26 DE DEZEMBRO DE 2016.
Dispõe sobre a diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao público, em função do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:
Art. 1º Fica autorizada a diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao público, em função do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado.
Parágrafo único. É nula a cláusula contratual, estabelecida no âmbito de arranjos de pagamento ou de outros acordos para prestação de serviço de pagamento, que proíba ou restrinja a diferenciação de preços facultada no caput.
Art. 2º Esta Medida Provisória entra em vigor na data da sua publicação.
Brasília, 26 de dezembro de 2016; 195º da Independência e 128º da República.
Michel Temer
Eduardo Refinetti Guardia
Ilan Goldfajn
Fonte: Palacio do Planalto, Agência Brasil e STJ.