Decisão permite que municípios editem leis que ofereçam aos cidadãos benefícios assistenciais
O Município de Porto Alegre formulou consulta ao Tribunal Regional Eleitoral sobre a legalidade da edição de lei prevendo concessão de benefícios gratuitos a população no cenário de calamidade pública declarada via Decreto Municipal e reconhecido nacionalmente.
A consulta foi formulada nos seguintes termos:
A legislação eleitoral veda que um Município, em ano eleitoral, venha a editar lei prevendo benefícios gratuitos à população, em especial isenção de tarifa de água e esgoto e concessão de benefícios assistenciais, no contexto de um estado de calamidade pública declarado via Decreto Municipal e reconhecido nacionalmente?
Ao analisar a questão da situação de calamidade pública que, em tese, justificaria a distribuição de bens e vantagens o Ministério Público afirmou que:
As hipóteses de calamidade pública e estado de emergência devem estar previstas em lei específica ou no respectivo decreto, de forma a configurar a exceção da conduta vedada pelo § 10 do art. 10 do art. 73 da LE. A autoridade que decreta a calamidade pública tem o dever de justificar e demonstrar a existência da situação fática excepcional, sob pena de responsabilização. Logo, é insuficiente a mera alegação fática da existência da situação excepcional.
Observados os requisitos legais e devidamente comprovada a situação excepcional, torna-se possível a distribuição gratuita de bens, valores e benefícios em ano eleitoral, desde que não haja excesso ou uso eleitoreiro nessa ação. Com efeito, não é possível ao administrador, sob o pretexto de abrigo em uma excludente legal, transmudar o ato de calamidade pública ou estado de emergência em vantagem eleitoral, distribuindo bens para pessoas diversas das necessitadas ou repassando recursos financeiros além do necessário para sofrear a situação excepcional.
Ao analisar a Consulta o Ministério Público deu parecer no qual, a conclusão, se manifestou nos seguintes termos:
“…o Ministério Público Eleitoral manifesta-se, preliminarmente, pelo conhecimento da consulta. No mérito, opina para que a consulta seja respondida no sentido de que a legislação eleitoral não veda que um Município, em ano de eleição, venha a editar lei prevendo benefícios gratuitos à população, em especial isenção de tarifa de água e esgoto e concessão de benefícios assistenciais, quando tal ocorrer no contexto de um estado de calamidade pública declarado via Decreto Municipal e reconhecido nacionalmente, desde que exista correspondência lógica, devidamente justificada, entre, de um lado, a situação fática alegada como base para a decretação do estado de calamidade e, do outro, as hipóteses de concessão, a natureza e a extensão do benefício, bem como não ocorra promoção pessoal de autoridades, servidores públicos, candidatos, partidos ou coligações, na publicidade ou distribuição do benefício”.
Na sessão plenária realizada no dia 11 de maio o TRE-RS, por unanimidade, conheceu da consulta Cta 0600098-44.2020.6.21.0000, de relatoria do desembargador federal Carlos Eduardo Thompson Flores, formulada pelo município de Porto Alegre.
Inicialmente, o relator afirmou que ainda que a questão trazida pelo Município não tratasse de consulta relacionada à tese jurídica, mas a fato concreto era caso de, em face da pandemia da COVID-19 e do cenário eleitoral, da mesma ser conhecida e apreciada em seu mérito pelo Tribunal.
No mérito, o Desembargado Dr. Carlos Eduardo Thompson Flores analisou o caso nos seguintes termos:
“A solução do questionamento envolve a incidência do § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
[…]
§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Grifo nosso)
A dicção legal é clara ao estabelecer que a regra é a vedação de que haja distribuição gratuita de bens em ano eleitoral. Excepcionam-se, modo objetivo e taxativo, as hipóteses de calamidade pública, estado de emergência ou existência de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.
…
Portanto, na hipótese de decretação do estado de calamidade pública, fica autorizada a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública. Não há como atribuir valor absoluto às condutas vedadas aos agentes públicos, sem que seja conferida interpretação sistêmica em relação aos demais textos normativos e à realidade da crise vivenciada por conta de uma pandemia.
Todavia, é necessário observar que o administrador público, mesmo em face de situação de calamidade, está adstrito aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, nos termos do comando do art. 37 da Constituição Federal, sem que possa fazer uso da distribuição gratuita de bens e valores com caráter eleitoreiro ou como forma de promoção pessoal, sob pena de incorrer na conduta vedada prevista no art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
[…]
IV – fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;
Ainda, é de ser destacado que a publicidade institucional relativamente a atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos, conforme preconiza o § 1º do art. 37 da CF, cujo descumprimento poderá caracterizar a prática de abuso de poder (art. 74 da Lei 9.504/97).
Em resumo: a calamidade pública é exceção à regra que proíbe, em ano eleitoral, a distribuição de bens, valores ou serviços pela administração pública, mas não isenta o gestor da observância dos princípios constitucionais no trato da coisa pública e não dispensa a adoção de critérios objetivos para estabelecer beneficiários, prazo de duração e motivação estrita relacionada à causa da situação excepcional.
Com base nos fundamentos acima referidos o TRE-RS decidiu por responder que a consulta declarando a legalidade da edição de lei municipal prevendo benefícios gratuitos à população condicionado a existência declaração de estado de calamidade e vedada a promoção pessoal de autoridades, servidores públicos, candidatos, partidos ou coligações, na publicidade ou distribuição do benefício.
O acórdão foi ementado nos seguintes termos:
CONSULTA. PREFEITO. QUESTIONAMENTO ACERCA DE EDIÇÃO DE LEI, EM ANO ELEITORAL, PREVENDO BENEFÍCIOS GRATUITOS À POPULAÇÃO. ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA. PANDEMIA. CORONAVÍRUS. COVID-19. POSSIBILIDADE. EXCEÇÃO À REGRA. CONSULTA CONHECIDA. RESPONDIDA NEGATIVAMENTE.
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Indagação formulada por prefeito, referente à possibilidade de edição de lei prevendo benefícios gratuitos à população, em especial isenção de tarifa de água e esgoto e concessão de auxílios assistenciais, diante do contexto atual de calamidade pública declarado via Decreto Municipal e reconhecido nacionalmente.
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Ainda que não preenchido o requisito da formulação em tese, nos termos do art. 30, inc. VIII, do Código Eleitoral, uma vez que a eventual resposta do questionamento não atenderia à abstração inerente à atividade consultiva da Justiça Eleitoral, a situação posta nos autos deve ser tratada de forma excepcional, devido ao momento pelo qual está passando o Brasil e o mundo diante da pandemia do novo coronavírus (Covid-19).
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A calamidade pública é exceção à regra que proíbe, em ano eleitoral, a distribuição de bens, valores ou serviços pela administração pública, mas não isenta o gestor da observância dos princípios constitucionais no trato da coisa pública e não dispensa a adoção de critérios objetivos para estabelecer beneficiários, prazo de duração e motivação estrita relacionada à causa da situação excepcional, bem como vedada a ocorrência de promoção pessoal de autoridades, servidores públicos, candidatos, partidos ou coligações, na publicidade ou distribuição do benefício.
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Consulta conhecida e respondida.
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Acesse aqui a integra do acórdão na Consulta_0600098_44_2020_6_21_0000