Dr. Lúcio Costa*

O relator do projeto que trata da “reforma” trabalhista , deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), apresentou parecer, na forma de substitutivo, à proposta do governo, no dia 12 de abril. Com 132 páginas, o texto amplia para 16 as situações em que acordos coletivos poderão prevalecer sobre a legislação, ratifica a terceirização irrestrita, busca restringir o campo de ação da Justiça de Trabalho e propõe o fim da contribuição sindical, a não ser que o trabalhador, individualmente, se manifeste a favor do desconto.
Conforme o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), foram apresentadas 850 emendas, número recorde, sendo 842 válidas. Do total, 80% foram de partidos da base de governo e de parlamentares ligados a setores empresariais. O principal tema, objeto de 155 emendas, foi a prevalência do negociado sobre o legislado.
AS CRÍTICAS A PROPOSTA DO RELATOR DA REFORMA TRABALHISTA
A proposta original do governo Temer havia sido objeto de critica por magistrados, procuradores, advogados e sindicalistas por fragilizar os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. No entanto, o que estava ruim ficou ainda pior!
O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), Germano Siqueira, afirma que o substitutivo é ainda mais prejudicial para os direitos trabalhistas do que a proposta original:
O relatório é muito ruim. Uma completa inversão dos princípios e das finalidades do Direito do Trabalho. Se o Direito do Trabalho foi concebido pelo reconhecimento de que o trabalhador, pela sua condição econômica e social, merece ter a proteção legislativa, o que se pretende agora, sem autorização constitucional, é inverter essa proteção, blindando o economicamente mais forte em detrimento do trabalhador.
Segundo o magistrado “há retiradas textuais e expressas de direitos, como no caso das horas in itinere (§ 2º do art.58 da CLT), além de reformulação do art.468 com o objetivo claro de interferir sobre construção jurisprudencial histórica do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que assegura estabilidade econômica aos empregados que percebem função comissionada por mais de dez anos. A nova redação simplesmente extingue esse direito, como mirou em vários outros pontos a jurisprudência do TST, ou seja, as decisões da Justiça do Trabalho”.
Daí que, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) “o parecer é obra de catedráticos do mercado” e representa a “mais profunda e extensa proposta de precarização das relações de trabalho dos últimos 70 anos”.
Em idêntico sentido, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) divulgou nota em que diz:
Ao propor a modificação, supressão e inclusão de cerca de 100 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho e de mais 200 dispositivos (incisos, parágrafos, alíneas), o relatório expurga do ordenamento jurídico e da jurisprudência consolidada direitos consagrados há anos na nossa legislação e que garantem uma adequada proteção aos trabalhadores brasileiros, desfigurando, inclusive, o próprio projeto apresentado pelo Governo Federal e indo, pelo menos formalmente, contra a intenção do Poder Executivo, autor da proposição, quando da sua apresentação.
Inconstitucionalidades
Na avaliação do presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Germano Siqueira vários pontos da reforma são inconstitucionais, por reduzir diversos direitos previstos na Carta Maior.
Conforme o magistrado:
“A Constituição de 1988 reforçou a importância de garantias sociais. Dessa forma, toda e qualquer reforma deve observar a Constituição Federal, que prevê a construção progressiva de direitos no intuito de melhorar a condição social do trabalhador e não de reduzir as suas conquistas históricas e fundamentais”.
OS PRINCIPAIS PONTOS DA REFORMA TRABALHISTA EM DISCUSSÃO NA CÂMARA
A seguir, são apresentados os principais riscos da proposta apresentada pelo deputado Rogério Marinho (PSDB-RN).
- Negociado Sobre o Legislado
A proposta central do projeto é a instituição do negociado sobre o legislado que que não ficaria apenas nos treze itens do projeto original do governo Temer, pois o relator ampliou para quatro vezes mais o que o governo propôs.
- Acordo Prevalecerá Sobre Negociação Coletiva
Além da prevalência da negociação sobre a legislação, o relator acrescentou que os acordos poderão se sobrepor às convenções. Isto é, se a convenção coletiva poderá ser revisada no sentido de restringir direitos garantidos através da celebração de acordo entre os uma determinada empresa e os trabalhadores nela empregados.
Confira os 16 pontos em que os acordos podem prevalecer sobre a legislação:
- Pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;
- Banco de horas individual;
- Intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a 06 horas;
- Adesão ao Programa Seguro-Emprego, de que trata a Lei nº 13.189, de 19 de novembro de 2015;
- Plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança;
- Regulamento empresarial;
- Representante dos trabalhadores no local de trabalho;
- Teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;
- Remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;
- Modalidade de registro de jornada de trabalho;
- Troca do dia de feriado;
- Identificação dos cargos que demandam a fixação da cota de aprendiz;
- Enquadramento do grau de insalubridade;
- Prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho;
- Prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;
- Participação nos lucros ou resultados da empresa.
As empresas não poderão discutir o fundo de garantia, o salário mínimo, o 13o e as férias proporcionais.
- Jornada de Trabalho
Conforme a proposta a jornada de 12 horas só poderá ser realizada desde que seguida por 36 horas de descanso. Hoje, a CLT prevê jornada máxima de 44 horas semanais e as férias podem ser divididas apenas em dois períodos, nenhum deles inferior a dez dias. Ainda sobre férias, o texto da Reforma passa a permitir que trabalhadores com mais de 50 anos dividam suas férias, o que atualmente é proibido.
- Férias
As férias poderão ser divididas em até três períodos, mas nenhum deles poderá ser menor que cinco dias corridos ou maior que 14 dias corridos. Além disso, para que não haja prejuízos aos empregados, fica proibido que as férias comecem dois dias antes de um feriado ou fim de semana.
- Acordo Individual
Além disso, o projeto permite acordo individual escrito para definição da jornada de 12/36 horas e banco de horas.
- Banco de Horas
Na proposta, se o banco de horas do trabalhador não for compensado em no máximo seis meses, essas horas terão que ser pagas como extras, ou seja, com um adicional de 50%, como prevê a Constituição. O texto também atualiza a CLT, que previa um adicional de 20% para o pagamento das horas extras, para 50%, como está previsto na Constituição,
- Trabalho em Regime de Tempo Parcial e Horas extras
A CLT em vigor considera trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não passe de 25 horas semanais. Pela legislação atual, é proibida a realização de hora extra no regime parcial.
O parecer do relator aumenta essa carga para 30 horas semanais, sem a possibilidade de horas suplementares por semana. Também passa a considerar trabalho em regime parcial aquele que não passa de 26 horas por semana, com a possibilidade de 6 horas extras semanais. As horas extras serão pagas com o acréscimo de 50% sobre o salário-hora normal. As horas extras poderão ser compensadas diretamente até a semana seguinte. Caso isso não aconteça, deverão ser pagas.
- Horas Extras e Regime Normal de Trabalho
Para o regime normal de trabalho, o parecer mantém a previsão de, no máximo, duas horas extras diárias, mas estabelece que as regras poderão ser fixadas por “acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho”.
Atualmente, a CLT diz que isso só poderá ser estabelecido “mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho”. Pela regra atual, a remuneração da hora extra deverá ser, pelo menos, 20% superior à da hora normal. O relator aumenta esse percentual para 50%.
- Terceirização
Em março, o presidente Michel Temer sancionou uma lei que permite a terceirização para todas as atividades de uma empresa.
O texto da Reforma Trabalhista propõe salvaguardas para o trabalhador terceirizado. O parecer cria uma quarentena que impede que o empregador demita um trabalhador efetivo para recontratá-lo como terceirizado em menos de 18 meses.
Além disso, um trabalhador terceirizado deverá ter as mesmas condições de trabalho dos efetivos de uma mesma empresa. Essa equidade vale para itens como de ambulatório, alimentação, segurança, transporte, capacitação e qualidade de equipamentos.
- Terceirização: Redução da Multa por Não-Contratados
Atualmente, o empregador que mantém trabalhadores sem registro está sujeito à multa de um salário-mínimo regional, por empregado, acrescido de igual valor em cada reincidência.
O texto original da Reforma, proposto pelo governo, determinava multa de R$ 6 mil por empregado não registrado, acrescido de igual valor em cada reincidência. No caso de microempresa ou empresa de pequeno porte, a multa será de R$ 1 mil. O texto prevê ainda que o empregador deverá manter registro dos respectivos trabalhadores sob pena de R$ 1 mil.
O relator Rogério Marinho, reduziu o valor da multa para R$ 3 mil para cada empregado não registrado nas grandes empresas e para R$ 800 para as micro e pequenas empresas.
- Terceirização e Novos Contratos de Trabalho: Contrato por hora e home office
O substitutivo de Marinho atualiza a Lei da Terceirização geral e propõe novas formas de contratação, além dos contratos de trabalho a tempo parcial e temporário: o trabalho intermitente, por jornada ou hora de serviço, e o teletrabalho, que regulamenta o chamado home office, ou trabalho de casa.
Atualmente a legislação trabalhista não contempla o trabalho em casa e o texto apresentado hoje inclui o home office, estabelecendo regras para a sua prestação. Ele define, por exemplo, que o comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado não descaracteriza o regime de trabalho remoto.
Haverá a necessidade de um contrato individual de trabalho especificando as atividades que serão realizadas pelo empregado e esse documento deverá fixar a responsabilidade sobre aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos, além da infraestrutura necessária para o exercício de cada atividade. As despesas ficam por conta do empregador, que não poderão integrar a remuneração do empregado.
A outra modalidade de contratação criada, o trabalho intermitente, permite que o trabalhador seja pago somente pelas horas de serviço de fato prestadas. Neste caso, segundo a versão final do relatório, a empresa terá que avisar o trabalhador que precisará dos seus serviços com cinco dias de antecedência.
A modalidade, geralmente praticada por bares, restaurantes, eventos e casas noturnas, permite a contratação de funcionários sem horários fixos de trabalho. Atualmente a CLT prevê apenas a contratação parcial.
Estas modalidades de relações precárias de trabalho jogarão milhões de trabalhadores a laborar sem a fiscalização do Estado. Segundo a ANPT “por flexibilizar, de modo amplo, normas relativas a jornadas e por permitir a terceirização ilimitada, inclusive nas atividades principais das empresas tomadoras, a proposta certamente contribuirá para uma precarização das relações de trabalho, com o aumento da desigualdade social e dos acidentes e mortes no trabalho e do número de trabalhadores submetidos a trabalho escravo e com a diminuição da arrecadação tributária e previdenciária do Estado brasileiro, contribuindo, ainda mais, para o aprofundamento da crise econômica e social do nosso país”.
IMPEDIMENTO DE ACESSO À JUSTIÇA
No projeto do relator, é apresentada proposta que que impede o trabalhador do acesso à Justiça na forma do acordo extrajudicial irrevogável e arbitragem das relações de trabalho.
Esse acordo, pelo substitutivo apresentado, terá termo de quitação anual das obrigações trabalhistas. Isto é, uma vez feito não restará o que reclamar ou buscar na Justiça.
REFORMA TRABALHISTA E ORGANIZAÇÃO SINDICAL
- Comissão de representantes
O substitutivo apresentado propõe a instituição da comissão de representantes no local de trabalho. Pelo texto, essa comissão vai substituir as prerrogativas e responsabilidades do sindicato, inclusive com poder negocial.
A eleição da comissão não poderá sofrer “interferência” da empresa e do sindicato da categoria. E, ainda, “organizará sua atuação de forma independente”. Os membros terão estabilidade. O mandato será de um ano, com uma recondução, mas os representantes não terão liberação.
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- Contribuição sindical
O texto do relator extingue, na prática, esta e outras formas de custeio para os sindicatos e os empregadores, que até poderão descontar a contribuição dos empregados, “desde que por eles devidamente autorizados”.
Veja a redação do substitutivo:
Art. 579. O desconto da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e expressa dos que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, inexistindo este, na conformidade do disposto no art. 591 desta Consolidação.
Pelo texto fica nítida a intenção da proposta: asfixiar financeiramente as organizações sindicais enfraquecendo a capacidade negocial dos trabalhadores numa situação em que, conforme a proposta de reforma trabalhista em discussão na Câmara, será reduzida a proteção legal ao trabalho e o acesso à Justiça.
A TRAMITAÇÃO DA REFORMA TRABALHISTA
A partir da próxima terça-feira (18/04) irá ser aberto prazo de 05 sessões para apresentação de novas emendas ao substitutivo. Essas só poderão ser apresentadas pelos membros da comissão especial.
O presidente da comissão especial que analisa a matéria, deputado Daniel Vilela (PMDB-GO), disse que a votação da proposta poderá acontecer já nessa semana, caso seja aprovado um requerimento de urgência em Plenário. Assim, os prazos de vistas (duas sessões) e emendas ao substitutivo (cinco sessões) poderiam ser dispensados.
Segundo o deputado, se for votada a urgência, a primeira reunião deliberativa sobre o relatório deve ser na próxima terça-feira e o texto já poderia ser votado na comissão neste mesmo dia ou na quarta-feira (19). Vilela descartou, porém, a votação pelo Plenário da Câmara também na semana que vem. “Como quinta-feira não tem havido quórum suficiente para uma votação tão importante como essa, acho difícil no Plenário”, afirmou.
O texto atualmente tramita em caráter conclusivo e, caso aprovado na comissão, segue direto para o Senado Federal.
*Advogado do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região, do Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande do Sul e da Associação dos Oficiais de Justiça do Rio Grande do Sul.